Quando a Escola se Omite: A Responsabilidade Civil por Casos de Bullying
Renato da Fonseca Rodrigues

Nos últimos dias, ganhou grande repercussão nas redes sociais o vídeo de um pai agredindo uma criança que, segundo relatos, estaria praticando bullying contra seu filho. As imagens, chocantes e revoltantes, revelam uma reação violenta, desproporcional e ilegal, que certamente trará consequências jurídicas para esse pai, tanto na esfera criminal quanto na cível.

A situação lança luz sobre um problema real e crescente: o bullying escolar e a omissão das instituições de ensino diante de episódios reiterados de violência entre alunos. Pais aflitos, vítimas caladas e escolas passivas compõem um cenário que exige não só reflexão, mas ação. E o Direito tem papel fundamental nessa resposta.

O que é bullying?

O bullying é um comportamento sistemático de intimidação, agressão física ou psicológica, geralmente praticado entre colegas de escola. A Lei nº 13.185/2015 define bullying como toda ação intencional, repetitiva e sem motivação evidente, que causa dor e angústia à vítima, frequentemente em ambiente escolar.

Os danos causados às vítimas são profundos: ansiedade, depressão, isolamento, baixo rendimento escolar e, em casos extremos, automutilação e suicídio. Quando o sofrimento é ignorado ou subestimado, o problema se agrava. Por isso, aqui se destaca a responsabilidade da escola e dos pais e responsáveis pelas crianças e adolescentes.

A obrigação legal da escola:

A escola tem o dever de zelar pela integridade física e emocional dos seus alunos. Esse dever decorre, primeiramente, da Constituição Federal (art. 227), que impõe à família, à sociedade e ao Estado a proteção integral da criança e do adolescente.

A partir desse comando maior, vários dispositivos legais formam o quadro de responsabilidade civil das escolas e instituições de ensino:

– Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 17 e 18), que garante à criança e ao adolescente o direito à dignidade e ao respeito;

– Código Civil (arts. 186, 927, 932 e 933), que impõe o dever de reparar danos causados por ação ou omissão;

– Código de Defesa do Consumidor (art. 14), que reconhece a escola privada como prestadora de serviço, sujeita à responsabilidade civil objetiva;

– Lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate ao Bullying e exige ações preventivas e corretivas das escolas.

Diante do quadro legal acima exposto, a jurisprudência brasileira reconhece a responsabilidade da escola por omissão em casos de bullying, conforme se verifica nos exemplos abaixo:

-TJ-CE – Apelação Cível: 0007404-88.2018.8.06.0112: Ação de indenização por danos morais. Bullying em estabelecimento escolar. Omissão dos deveres de prevenção e repressão. Responsabilidade civil objetiva. Danos morais configurados. Manutenção da sentença. “o valor fixado na sentença deve ser mantido no patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais).”

 – TJ-SP – Apelação Cível: AC 1011498-44.2021.8.26.0001: INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – Prestação de serviços educacionais – Alegação de prática de bullying contra o autor – Ausência de qualquer medida da ré para conscientização, prevenção ou combate de agressões físicas e psicológicas no ambiente escolar – Má prestação dos serviços caracterizada – Dano moral ocorrente, com valor mantido – Recurso desprovido. “Nesse contexto, circunstancialmente à situação retratada, é mantido o montante fixado na sentença (R$ 7.500,00 fl. 131).”

A responsabilidade solidária dos pais do agressor:

Além da responsabilidade civil da escola, é preciso lembrar que o bullying também pode gerar consequências jurídicas para os pais ou responsáveis do agressor. Estes, sendo pessoas maiores e capazes, não devem negligenciarem sua obrigação de vigiar, orientar e educar crianças e adolescentes. 

O Código Civil, em seus arts. 932, I, e 933, prevê que os pais e responsáveis, ainda que não haja culpa de sua parte, podem ser chamados a responder pelos danos causados por aqueles que estão sob sua autoridade, mas ainda não têm maioridade civil.

Isto é, independentemente da conduta dos pais, a responsabilidade destes é objetiva, bastando comprovar que o filho menor, sob sua autoridade, praticou o ato danoso. Isso significa que, nos casos de bullying, os pais do agressor podem ser condenados a reparar o dano de forma solidária com a escola.

– TJMG – Apelação Cível 5005421-37.2019.8.13.0112: Ação de indenização por danos morais. Agressão psíquica a menor. Bullying em estabelecimento escolar. Comprovação. Responsabilidade civil objetiva e solidária dos pais e colégio. Danos morais configurados. Manutenção da sentença. Procedente o pedido inicial para condenar os requeridos, de forma solidária, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$8.000,00 (oito mil reais)

E os pais da vítima, podem reagir?

A dor de ver um filho humilhado é legítima. No entanto, reagir com violência contra o agressor ou aos seus pais é crime, e pode gerar ações judiciais e condenações penais e cíveis.

O caminho correto inclui: denunciar a agressão à escola, registrar boletim de ocorrência, acionar o Conselho Tutelar, buscar apoio psicológico e, se necessário, ajuizar ação judicial contra a escola e/ou os responsáveis legais do agressor.

Conclusão

O bullying escolar exige ação e responsabilidade. A escola deve cumprir seu papel de prevenção e acolhimento, e os pais — tanto da vítima quanto do agressor — devem atuar com consciência, atenção e dentro dos limites legais.

Quando a escola se omite e os pais falham na supervisão, ambos respondem solidariamente pelos danos causados à vítima. A justiça não admite violência como resposta à violência, mas garante instrumentos eficazes para proteger a infância e punir quem se omite ou consente.

Renato da Fonseca Rodrigues

São Paulo, junho de 2025.

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