O Poder Judiciário, com frequência, é provocado a tomar decisões que se relacionam com a liberdade do setor privado contratar ou não com a Administração Pública. Nestas breves notas, avalia-se tal cenário dentro do contexto da eventual obrigatoriedade de fabricantes e distribuidores participarem de licitações para fornecimentos de medicamentos para entes públicos em geral.
Um novo e positivo capítulo sobre o tema decorre de decisão recém proferida em sede de Ação Civil Pública (ACP nº 76454-60.2020.8.16.0014/TJPR) na qual se entendeu pela prevalência da livre iniciativa e da liberdade de escolha das empresas em celebrar ou não contratos com órgãos públicos, algo respaldado pelo texto constitucional.
Em outras palavras, não tem a Administração Pública o poder de impor aos particulares a obrigatoriedade de participar de licitações para fornecimentos de medicamentos e, consequentemente, de firmar contratos com tal fim. Ressalvadas situações pontuais e devidamente justificadas que fogem ao escopo deste sucinto texto.
Como regra geral, cabe às empresas privadas tomar decisões dentro de sua esfera de liberdade e dos limites legais. Na prática, o setor privado, que assume um sem-número de riscos para efetivar, diuturnamente, suas atividades, deve decidir, repita-se, dentro do espectro de liberdade que lhe é conferido constitucionalmente, questões atinentes à respectiva atividade empresarial como celebrar ou não contratos com quem quer que seja.
Merece transcrição, quanto a isso, trechos da recém proferida decisão no âmbito da ACP nº 76454-60.2020.8.16.0014/TJPR: “Por mais que os imperativos da tutela do interesse público justifiquem a intervenção do Estado nos domínios das relações privadas, não se chegou ainda – a não ser em hipóteses pontuais – à abolição por completo da liberdade de celebrar ou não o contrato. Se isso um dia ocorrer, teremos certamente uma nova figura jurídica; não um contrato, cujo traço essencial consiste na vinculação voluntária das partes pela emissão de ato livre de vontade”.
E mais: “A liberdade de celebrar ou não um contrato constitui o núcleo essencial da livre iniciativa dos agentes econômicos, da autonomia da vontade e do direito de propriedade consagrados nos arts. 1º, inciso IV, in fine, 5º, inciso XXII, e 170, caput, inciso II, todos da Constituição Federal. De maneira que compelir as rés a atender às solicitações de aquisição de medicamentos a elas dirigidas pela Administração Municipal corresponderia a negar a existência mesma desses princípios constitucionais, que estruturam a ordem jurídica privada”.
A decisão, em nossa visão, consagra e confirma a livre iniciativa e a liberdade de contratar, que são diretrizes fundamentais para a atuação do setor privado. E limita, corretamente, o grau de poder e intervenção da Administração Pública na esfera privada.
Rodrigo da Fonseca Chauvet
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Ivana Eduarda Dias Arantes
ivana.dias@trigueirofontes.
Natália Miranda Lopes