Há direito à indenização para a gestante que recusa, injustificadamente, o retorno ao trabalho?
Daniela Birocchi

A estabilidade provisória da gestante, prevista no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT, protege a empregada contra despedida arbitrária ou sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Essa garantia visa assegurar a manutenção do emprego e do salário, em prol da saúde do nascituro, conforme consolidado na Súmula 244 do C. TST.

Entretanto, a aplicação prática da lei não é uniforme na jurisprudência brasileira, sobretudo quando a empregada, gestante, se recusa, injustificadamente, a voltar a trabalhar após ciência de seu estado gestacional e eventual resilição contratual. A recusa da empregada gestante à reintegração ao emprego modifica o cenário previsto na Constituição Federal.

Essa controvérsia reflete uma dualidade interpretativa que ainda divide os tribunais. A jurisprudência majoritária, incluindo o Tribunal Superior do Trabalho, defende que a estabilidade da empregada é preservada, mesmo diante da recusa ao retorno, uma vez que a questão vai além do contrato de trabalho, estando intrinsicamente relacionada ao interesse público de proteção à maternidade e ao nascituro. Este, por sua vez, também detém o direito fundamental à vida, o qual deve ser assegurado pelo Estado, sem, contudo, desconsiderar a responsabilidade da mãe em protegê-lo.

Sob essa ótica, a recusa ao retorno não deve ser interpretada como renúncia ao direito, mas como uma manifestação legítima da autonomia da trabalhadora, especialmente em situações em que o ambiente de trabalho seja prejudicial ou haja outras condições que justifiquem sua decisão.

No entanto, a outra parte da jurisprudência defende que a recusa à reintegração por parte da gestante configura uma renúncia tácita ao vínculo empregatício, com base na interpretação de que o contrato de trabalho pressupõe a reciprocidade de obrigações e condutas pautadas pela boa-fé objetiva.

De acordo com este posicionamento, o direito à estabilidade não pode ser exercido sem que a gestante cumpra também suas obrigações no trabalho. Se isso não for respeitado, a proteção da estabilidade poderia ser usada de forma indevida, transformando uma garantia constitucional em uma forma de abuso de direito. Portanto, segundo essa vertente, admitir a indenização pela estabilidade sem a intenção de retorno ao emprego afronta a finalidade do instituto, que é garantir a continuidade do vínculo, uma vez que a indenização somente é devida quando o retorno ao trabalho for inviável.

Diante do exposto, a estabilidade provisória da gestante deve ser interpretada conforme sua finalidade primordial: assegurar a continuidade do vínculo empregatício para proteção da maternidade e do nascituro, e não como um direito absoluto, dissociado das obrigações recíprocas do contrato de trabalho.

A recusa injustificada à reintegração rompe esse equilíbrio, evidenciando a intenção da empregada de não mais manter o vínculo, o que configura renúncia tácita ao próprio direito que se pretende preservar.

Além disso, a conversão automática da estabilidade em indenização, sem a tentativa efetiva de retorno ao trabalho, desvirtua a norma ao transformar uma garantia de manutenção do emprego em um mero mecanismo indenizatório, contrariando o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.

O direito do trabalho se fundamenta na mútua colaboração entre empregador e empregado, de modo que a estabilidade provisória não pode ser invocada de forma dissociada dessa premissa essencial. Assim, a correta interpretação da legislação exige que a indenização seja devida apenas quando a reintegração for inviável por fatores alheios à vontade da empregada, e não quando esta opta, voluntariamente, por não retornar ao trabalho.

 

São Paulo, 03 abril de 2025.

Daniela Birocchi

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