A proteção ao consumidor está assegurada na Constituição Federal (CF) como direito fundamental[1], constituindo-se em princípio ao qual se subordina toda a atividade econômica[2].
O Código de Defesa do Consumidor (CDC)[3], ao estabelecer o microssistema legal de proteção ao consumidor, prevê o resguardo à saúde e segurança nas relações de consumo como direito básico, bem como estabelece a responsabilidade solidária dos fornecedores por danos causados ao consumidor.
A referida Lei estabelece, em seu art. 8°, que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Segundo o CDC, é considerado defeituoso todo produto ou serviço que não atenda à legítima expectativa de segurança. Portanto, qualquer produto que, dentro das condições normais que dele se espera, coloque o consumidor em risco sem que tenham sido feitos os devidos alertas, pode ser considerado um produto defeituoso. Assim, existe defeito quando há um risco que não é normal, nem previsível a partir do seu uso e natureza e que, caso venha a materializar-se, resultará em acidente de consumo, isto é, em um dano à saúde ou segurança do consumidor.
Neste contexto, caso o fornecedor, após colocar o produto no mercado, venha a tomar ciência de defeito ou possível risco com alto grau de nocividade ou periculosidade não previstas, deverá iniciar o chamamento dos consumidores - recall, previsto no artigo 10 do CDC[4].
O detalhamento dos procedimentos para a realização do recall estava disciplinado pela Portaria 487/2012 do Ministério da Justiça e pela Portaria Conjunta nº 69/2010 do Ministério da Justiça e do Departamento Nacional de Trânsito. Ocorre que o procedimento de chamamento dos consumidores sofreu recentes alterações com a edição de duas portarias, ambas publicadas no dia 2 de julho de 2019 no Diário Oficial da União, quais sejam: a) a Portaria Conjunta nº 3 de 1º de julho de 2019 dos ministérios da Infraestrutura e da Justiça e Segurança Pública; e, b) a Portaria nº 618 de 1º de julho de 2019 do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Podemos destacar dentre as principais mudanças o prazo de 24 (vinte e quatro) horas para que o fornecedor comunique a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) sobre o início do procedimento de investigação, que não deverá durar mais de 10 (dez) dias úteis para conclusão, a não ser que seja devidamente demonstrada a necessidade da extensão.
Após o prazo de investigação, o fornecedor deverá apresentar comunicado à Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), sem prejuízo de igualmente comunicar o órgão normativo ou regulador competente.
O mencionado comunicado deverá seguir as diversas exigências do artigo 3º da Portaria nº 618/2019, quais sejam: a identificação do fornecedor; descrição do produto ou serviço defeituoso; descrição do mencionado defeito; riscos ao consumidor; quantidade de produtos ou serviços sujeitos ao defeito; distribuição geográfica; indicação de providências já adotadas e medidas propostas para solucionar o defeito; descrição de acidentes ocorridos; plano de mídia; plano de atendimento ao consumidor e modelo de aviso de risco ao consumidor.
A Portaria nº 618/19 ainda determina que o plano de mídia deverá conter, cumulativamente, uma estrutura de veiculação escrita, uma de veiculação de sons e uma de veiculação de sons e imagens.
No tocante à Portaria Conjunta nº 3/19, mencionada norma disciplina especificamente o recall de veículos, determinando que o fornecedor comunique imediatamente o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN sobre a necessidade de chamamento dos consumidores.
A norma informa ainda que o DENATRAN disponibilizará serviço integrado ao RENAVAM - Registro Nacional de Veículos Automotores, para que os fornecedores registrem, realizem e comuniquem os proprietários da existência e as baixas de recall. Mencionado sistema possibilitará que o fornecedor realize o envio de comunicação de recall, acompanhada de aviso de risco, que deverá seguir as determinações da Portaria nº 618/2019.
As Portarias 618/2019 e 3/2019 trazem outras importantes alterações e exigências que devem ser analisadas com cautela pelos fornecedores, uma vez que a inobservância de qualquer uma das determinações poderá sujeitar as empresas às sanções previstas na Lei nº 8.078, de 1990, e no Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, que preveem penalidades nas esferas civil e administrativa, sem prejuízo de eventual instauração de procedimento criminal.
Gilberto Canhadas Filho é advogado de Trigueiro Fontes Advogados em São Paulo.
[1] Artigo 5º, inciso XXXII- o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
[2] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor
[3] Lei Federal nº 8.070/1990
[4] Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. § 1º O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. § 2º Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço. § 3º Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.