Sempre que surge uma lei nova, até que os aplicadores do Direito se posicionem sobre ela, muita discussão e entendimentos contrários surgem, gerando uma instabilidade jurídica.
É o que vem ocorrendo com o artigo 899, § 11º da CLT, alterado da Lei 13.467/2017, que introduziu expressamente a autorização da utilização do seguro fiança na fase de conhecimento trabalhista, em substituição ao depósito recursal, nos seguintes termos: "§ 11. O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial”.
Anterior a tal norma, na seara trabalhista, apenas se admitia a aplicação do seguro fiança em fase de execução, em decorrência do entendimento da OJ nº 59, da SDI-II, do C. TST, que dispõe sobre a aplicação, de forma subsidiária do artigo 835, §2º do CPC, conforme a seguir exposto:
Mandado de segurança. Penhora. Carta de fiança bancária. Seguro garantia judicial (nova redação em decorrência do CPC de 2015) (Inserida em 20.09.2000 - Alterada pela Res. 209/2016 - DeJT 01/06/2016). A carta de fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito em execução, acrescido de trinta por cento, equivalem a dinheiro para efeito da gradação dos bens penhoráveis, estabelecida no art. 835 do CPC de 2015 (art. 655 do CPC de 1973).
E, este tem sido um dos principais motivos pelo quais, a utilização do seguro fiança como forma de substituição do preparo dos recursos vem encontrando óbices em seu processamento, posto que alguns julgadores ao se depararem com o preparo por esta nova via, interpretam a sua norma reguladora a luz da mencionada OJ nº 59, e entendem ser cabível sua apresentação apenas mediante o acréscimo de trinta por cento do valor do preparo pretendido.
Contudo, esta hermenêutica não se mostra balizada por qualquer preceito legal, uma vez que a lei dispõe expressamente sobre o tema, além de ferir diversos princípios constitucionais.
É relevante ainda observar que a função do preparo recursal tem como objetivo assegurar a existência de eventuais créditos trabalhistas, enquanto que a garantia na fase de execução busca promover o efetivo pagamento, haja vista autorizar a liberação ao credor de valores já incontroversos.
Outro argumento que esta sendo utilizado pelos magistrados é o prazo de validade da apólice, havendo a esse respeito tanto a interpretação de que deve ser por prazo indeterminado, como por prazo razoável, sendo que nesta última a análise é subjetiva variando caso a caso.
Mais uma vez a confusão ocorre em virtude da comparação com a execução, pois há o entendimento do TST de que a utilização do seguro fiança como garantia da execução importa na existência de uma apólice sem prazo de validade. Vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. GARANTIA DA EXECUÇÃO. SEGURO GARANTIA COM PRAZO DETERMINADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Decisão regional que não admite seguro garantia com prazo determinado se encontra em consonância com o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho. Incide o óbice da Súmula 333 desta Corte. 2. A admissibilidade de recurso de revista interposto em processo em fase de execução depende de demonstração inequívoca de ofensa direta e literal à Constituição Federal, nos termos do art. 896, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho e da Súmula 266 do TST. 3. A violação dos dispositivos constitucionais invocados pela agravante não prescinde da análise das normas infraconstitucionais que disciplinam as formas de garantia do juízo. 4. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento." (AIRR - 47700-09.2009.5.01.0226 , Relatora Desembargadora Convocada: Rosalie Michaele Bacila Batista, Data de Julgamento: 24/6/2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/6/2015)
Entretanto, a aplicação de tal entendimento de forma análoga sobre a fase recursal esta ocorrendo ausente de fundamento legal, e de forma puramente intuitiva, uma vez que inexiste em todo ordenamento jurídico pátrio a imposição da observância de qualquer prazo para utilização do seguro fiança como preparo recursal, posto que o artigo que trata do assunto é expresso (artigo 899, §11º CLT), e não definiu os requisitos que estão sendo invocados nas decisões denegatórias.
Vele ressaltar que as apólices de seguro ainda que tenham prazo de validade, vêm apresentado cláusulas que demonstram nítido interesse em resguardar o eventual direito a crédito do Reclamante, sendo comum a presença de estipulações como: a previsão de renovação da apólice automaticamente na eventualidade de ao final de seu prazo ainda não ter ocorrido a conclusão da lide.
É importante lembrar que, apesar de haver decisões suscitando a exigência do seguro com acréscimo de trinta por cento e prazo indeterminado de validade, há do mesmo modo inúmeros julgadores acatando o seguro utilizado sem os já mencionados requisitos, evidenciando assim profunda divergência jurisprudencial sobre o tema. [1]
Assim sendo, apesar da nítida discussão que paira sobre a matéria, observa-se que a tendência dos Tribunais Regionais do Trabalho tem sido, em sua maioria, no sentido de admitir o uso do seguro fiança como preparo, independente dos requisitos acima mencionados, de modo que se pode dizer que a orientação pelo seu uso é acertada, mesmo que sem acréscimo de trinta por cento ou prazo indeterminado de validade.
Ainda mais considerando a prerrogativa do parágrafo único do artigo 932 do CPC, que determina a concessão do prazo de cinco dias para que a parte adeque o preparo antes de seu indeferimento, de modo que, na eventualidade de o apelo não ser aceito de plano, e sendo do interesse da parte não correr o risco de ter denegado o seguimento de seu recurso, poderá contar com essa segunda oportunidade de ajustar o preparo.
Por fim, vale ressaltar que há um crescente número de recursos sendo direcionados ao TST com o objetivo exclusivo de obter um posicionamento definitivo sobre o tema aqui debatido, sendo certo que muito em breve a questão será definitivamente pacificada pela Corte Superior, o que irá determinar de uma vez por todas quais serão as regras quanto a utilização do seguro fiança como forma de preparo nos recursos, e retirará a incerteza existente sobre o tema.
São Paulo, maio de 2019.
Vanessa Barbosa Sousa é advogada de Trigueiro Fontes Advogados em São Paulo.
[1] 1° Região 0101368-90.207.5.01.0038; 2º Região 1002230-17.2016.5.02.0467; 3º Região 0010781.46.2017.5.03.0012; 4º Região 0020777-65.2017.5.04.0004; 8º Região 0000217-04.2017.08.0130; Região 12º 0001426-36.2017.12.0020; Região 15º 0090700-71.2009.5.15.0096; 18º Região 010630-30.2018.5.18.0141; 20º Região 0001522-62.2017.5.20.0009; 24º Região 002446-56.2017.5.24.0106.