Desde a vigência da lei nº 8.078/1990, ou seja, do Código de Defesa do Consumidor, ampliou-se os olhares aos direitos dos consumidores, na tentativa de equilibrar a relação com os fornecedores, tendo em vista sua vulnerabilidade, uma vez que os fornecedores normalmente apresentaram maior poder financeiro e capacidade probatória.
Importante ressaltar que, à luz do CDC, é facultado ao cliente tentar solucionar as adversidades enfrentadas na relação de consumo mediante (i) contato com a empresa fornecedora, por meio do Serviço de Atendimento ao Cliente – SAC; (ii) reclamações administrativas junto ao Programa de Proteção e Defesa ao Consumidor - PROCON e/ou (iii) utilizando-se do Poder Judiciário.
No entanto, com o passar do tempo e diante do avanço tecnológico, especialmente com o advento da internet, os meios de se obter a solução dos problemas pelos consumidores foram modernizados, trazendo maior agilidade e visibilidade. Esta situação gerou uma disparidade menor entre o cliente e o fornecedor/vendedor na relação de consumo, visto que a internet tem o condão de disseminar informações do produto ou serviço, seja ela positiva ou negativa, que podem interferir na imagem e até mesmo no negócio da empresa.
Por meio das opiniões manifestadas em sites e redes sociais, o consumidor ganhou voz e passou a ser mais ouvido, levando os fornecedores a se preocuparem com suas reputações e tomarem medidas para satisfazer seu público-alvo.
No entanto, é necessário ressaltar que existem situações que podem gerar consequências graves ao próprio consumidor, uma vez que esta figura da relação de consumo também possui deveres a cumprir.
Apesar da liberdade do consumidor em usufruir desta nova tecnologia ágil e de amplo acesso, tudo que é excesso pode gerar um efeito contrário ao esperado.
É neste passo que será analisada a responsabilidade do consumidor sobre as opiniões expostas na internet e qual penalidade poderá lhe ser imputada pela conduta exacerbada.
Importante esclarecer a diferença entre expressar opiniões e abusar do direito do consumidor, com publicações exageradas, as quais poderão gerar responsabilidade civil (ex: pagamento de indenização) e responsabilidade criminal (ex: crimes de Calúnia e Difamação).
O artigo 5º, IV, da Constituição Federal e o artigo 19 da Declaração de Direitos Humanos prevêem o direito à liberdade de expressão e opinião. Dessa forma, é importante que o consumidor utilize a internet com sabedoria e cautela, considerando que algumas vezes é possível constatar que houve excesso por parte do consumidor em suas publicações.
Atualmente as pessoas utilizam do seu direito de opinião para divulgar, muitas vezes de maneira excessivamente emocionada, situações que fazem parte do cotidiano, em razão da convivência em sociedade, que poderiam ser solucionadas de maneira mais simples e menos midiática.
Assim, toda reclamação publicada pelo consumidor que cause ofensa à intimidade e à honra de outro, até mesmo em situações em que o outro é pessoa jurídica, afronta o artigo 5º, X da Constituição Federal como também o artigo 4º, III do Código de Defesa Consumidor. E, portanto, a proteção aos direitos do consumidor não se sobrepõe aos limites da sua responsabilidade civil e criminal.
Nesse cenário, constata-se, inclusive, um aumento significativo de consumidores condenados pelas críticas efusivas e até mesmo teatrais contra fornecedores, que muitas vezes fogem do contexto da situação vivenciada.
O Superior Tribunal de Justiça - STJ, por meio da Súmula 227, prevê o dano moral à Pessoa Jurídica:
“Súmula: 227 A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”
Os Tribunais Estaduais estão atentos a este tipo de situação. Apenas como exemplo, a Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro1 manteve sentença que condenou o consumidor ao pagamento de indenização por danos morais à uma empresa fornecedora de pneus, além determinar a suspensão da publicação feita pelo réu no grupo de Facebook denominado “Não recomendo V.R e região RJ", em razão de reclamações expostas na internet que extrapolaram os limites do bom senso. De acordo com o entendimento da C. Câmara, embora a Constituição Federal consagre a liberdade de expressão, o direito de reclamar de um produto ou serviço deve se restringir aos mesmos e dentro do que de fato ocorreu, não podendo ser utilizado para fins de ofensa à empresa, fato que, inevitavelmente, gera uma repercussão negativa no mundo dos negócios.
Conclui-se, assim, que o direito do consumidor reclamar, defendido pelo Código de Defesa do Consumidor, não é incondicional e deve ser apreciado com sobriedade, a fim de evitar a violação do direito à reputação e à imagem do fornecedor.
São Paulo, 23 de novembro de 2023.
Mariana Campão Pires Fernandes Pastore
1 https://www3.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004F2F6F430854C7F0F6706F3193C5F080AC5144706462F&USER=