No dia 08/11/2023, foi aprovada no Plenário do Senado a Proposta de Emenda Constitucional nº. 45/2019. Em 14/11/2023 o texto retornou à Câmara dos Deputados e aguarda análise e aprovação das alterações realizadas.
A essência da proposta reside na adoção de um novo sistema baseado no conceito de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). A PEC 45 traz a substituição de 5 tributos: PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS, por um “IVA Dual”, dividido em Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS e Imposto sobre bens e Serviços - IBS.
Os tributos federais PIS, COFINS e IPI serão transformados na Contribuição sobre Bens e Serviços - CBS. Haverá ainda na esfera federal o Imposto Seletivo - IS, que será usado para desestimular o mercado de produtos e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Já o imposto estadual ICMS e o imposto municipal ISS serão unificados no Imposto sobre Bens e Serviços - IBS.
No modelo do IVA não há cumulatividade, os tributos incidem apenas sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia, com a possibilidade de ressarcimento em caso de acúmulo de créditos (com exceções, como por exemplo operações sujeitas à isenção ou não tributação e bens e serviços para uso pessoal).
Visando evitar a “guerra fiscal” entre os Estados, a tributação deve ocorrer no local de destino/consumo, não mais no local de origem/produção e de destino/consumo como é na sistemática atual.
O texto aprovado não define qual será a alíquota máxima da CBS e do IBS. Os dois tributos serão instituídos por lei complementar, sendo que a alíquota da CBS (federal) poderá ser fixada em lei ordinária e a alíquota do IBS será determinada pelos Estados e Municípios. A estimativa é de uma alíquota máxima de 27,5% (vinte e sete e meio por cento) com a sistemática de cobrança “por fora”, ou seja, os tributos não devem compor a base de cálculo deles mesmos nem a base um do outro.
Para o IBS haverá um período de transição para instituição que começa em 2026 e vai até 2033, com sua implementação gradual e os tributos substituídos (ICMS e ISS) serão reduzidos até serem extintos. Quanto à CBS, haverá apenas um período de teste, onde a contribuição será cobrada com uma alíquota de 0,9% em 2026, para que se possa observar seus efeitos sobre a arrecadação, sendo aplicada a alíquota plena a partir de 2027, quando o PIS e a COFINS serão extintos e o IPI terá a alíquota zerada.
Alguns setores serão beneficiados com isenção ou redução de alíquota na CBS e no IBS:
Possibilidade de isenção:
- Cesta Básica Nacional de Alimentos;
- Produtos hortícolas, frutas e ovos;
- Serviços de saúde, dispositivos médicos e de acessibilidade para portadores de deficiência;
- Medicamentos;
- Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
- Serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos;
- Compra de automóveis por taxistas;
- Compra de automóveis por pessoas com deficiência ou no espectro autista;
- Aquisição de medicamentos e dispositivos médicos pela administração direta, autarquias e fundações públicas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como pelas entidades de assistência social;
- Atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.
Possibilidade de redução de alíquota de 60%:
- Serviços de transporte público coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semi-urbano e metropolitano;
- Alimentos destinados ao consumo humano;
- Produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda;
- Produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
- Insumos agropecuários e aquícolas;
- Produções artísticas, culturais, de eventos, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional;
- Bens e serviços relacionados à soberania e à segurança nacional, da informação e cibernética;
- Cesta básica estendida.
Possibilidade de redução de alíquota de 30%:
- Profissionais liberais (serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, desde que sejam submetidas a fiscalização por conselho profissional).
Há também previsão de que lei complementar poderá dispor sobre regimes específicos de tributação para alguns setores, produtos ou atividades como:
- Combustíveis e lubrificantes;
- Serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos;
- Sociedades cooperativas;
- Serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, agências de viagens e de turismo, bares e restaurantes;
- Atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol;
- Aviação regional;
- Operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive referentes a missões diplomáticas, repartições consulares, representações de organismos internacionais e respectivos funcionários acreditados;
- Serviços de saneamento e de concessão de rodovias, serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo;
- Operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações;
- Operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica, inclusive, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE);
- Bens e serviços que promovam a circularidade da economia e a sustentabilidade no uso de recursos naturais.
Para a indústria automotiva há previsão de prorrogação, até dezembro de 2032, de benefícios fiscais a montadoras instaladas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste.
A Reforma Tributária também pode trazer mudanças em outros impostos, como IPVA, ITCMD e IPTU. O IPVA poderá ter alíquotas diferentes em função do valor do veículo e de seu impacto ambiental, bem como poderá ser instituída a cobrança sobre aviões, helicópteros, jatinhos, iates, jet-skis, entre outros, de uso particular. No ITCMD há previsão de progressividade, com base no valor da doação ou herança, observada a alíquota máxima a ser definida. Os Estados também poderão cobrar o imposto sobre doações e heranças nas situações em que o doador, donatário ou os bens estejam no exterior. O IPTU poderá ter sua base de cálculo atualizada por decreto, desde que observe critérios definidos em lei municipal.
Em relação à recuperação de créditos acumulados dos atuais tributos, a PEC 45/19 prevê que o saldo dos créditos de PIS e Cofins poderá ser compensado com a CBS ou com outros tributos federais. Já o saldo dos créditos homologados de ICMS será compensado com o IBS em até 240 parcelas, com correção monetária, a partir de 2033, com a possibilidade de transferência dos saldos credores a terceiros e ressarcimento caso não seja possível a compensação com o IBS.
Os tributos e hipóteses em questão ainda precisarão ser objeto de regulamentação normativa ao longo de 2024 e 2025, para viabilizar o início da transição.
A reforma tributária propõe mudanças significativas, sendo que o sucesso dessas iniciativas dependerá da implementação coerente das medidas previstas e adaptação contínua e efetiva, com a devida atenção aos ajustes necessários e abordagem colaborativa entre governo e sociedade.
Colocar em prática um novo cenário é sempre desafiador, sendo que diante da magnitude das alterações promovidas, mesmo diante dos certos esforços que serão envidados pelo Fisco e contribuintes para a evolução positiva e implementação bem-sucedida das medidas propostas, certamente ainda surgirão muitas discussões – inclusive judiciais – sobre o tema.
São Paulo, novembro de 2023.
Andiara Cristina Freitas é advogada tributarista em Trigueiro Fontes Sociedade de Advogados.