Os desafios da inteligência artificial no Direito
Fábio Lima Almeida

O mundo jurídico não é uma ilha perdida em um oceano de inovações. Novas tecnologias, abordagens e ferramentas permitem a inovação no Direito e sua incorporação paulatina na rotina de juristas e jurisdicionados. Assim foi, por exemplo, com o surgimento do visual law. Recentemente, o ChatGPT (Global Professional Translator), um modelo de linguagem baseado em inteligência artificial (IA) que oferece suporte à comunicação, tornou-se a ferramenta que alimenta esperanças de realização de tarefas eficazes e complexas com maior produtividade e em menor tempo. Não obstante, tal inovação traz consigo uma série de avanços e desafios para o Direito, que serão abordados neste artigo.

Conforme o sistema de inteligência artificial é alimentado, o ChatGPT é capaz de gerar respostas com base em informações prévias inseridas no sistema, utilizando uma linguagem natural. Dessa forma, o ChatGPT busca realizar atendimentos eficazes com economia de tempo na comunicação, finalizando as atividades por meio de análise de dados existentes no sistema e automatizando algumas tarefas de rotina.

Porém, é importante observar os desafios implícitos nesse avanço tecnológico. O primeiro é um aspecto ético. Sendo o ChatGPT utilizado para atividades privativas de advogados, tais como, emissões de pareceres, peças, recursos e demais tarefas com base em informações prévias de sistema, há o risco de a inteligência artificial vazar dados confidenciais, bem como o trato e estratégias de determinado processo, podendo gerar riscos à privacidade e confidencialidade e consequente responsabilização do advogado(a) que fez uso da ferramenta sem o devido senso crítico.

Segundo, sob o aspecto operacional, o sistema ainda precisa se aprimorar para melhor captar contextos e evitar vieses de programação e treinamento do modelo de linguagem. Terceiro, na esfera regulatória, a IA padece de regulamentação no Brasil, de forma que questões sobre responsabilidade civil e direitos de propriedade intelectual podem surgir com o uso da IA. A esse propósito, foi noticiada recentemente a regulamentação da responsabilidade pelo uso IA na União Europeia.1 No Brasil, o PL 2338/20232 pretende estabelecer um arcabouço regulatório inicial.

Por fim, tratando-se de recente ferramenta tecnológica, não se pode deixar de citar o desafio da segurança da informação, pois o sistema poderá ser alvo de ataques cibernéticos e vazamentos de dados.

Superando-se os desafios apontados acima, existem também importantes reflexos para as relações de trabalho decorrentes do uso do ChatGPT, sob o ponto de vista da temida “substituição” de mão de obra. Tratando-se de tecnologia que busca otimizar o tempo com maior efetividade e produtividade, há um crescente temor de que empregadores possam realizar demissões em massa com o intuito do custo-benefício, gerando grande onda de desemprego. Porém, importante ressaltar que o inciso XXVII, do artigo 7º, da Constituição Federal, estabelece o direito do trabalhador rural e urbano em ter “proteção em face da automação, na forma da lei”.

Com relação à responsabilidade pelo conteúdo da informação, em decisão recente, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Ministro Benedito Gonçalves, considerou uma petição, elaborada por intermédio da tecnologia ChatGPT, como uma “fábula resultante de conversa com uma inteligência artificial”, classificando o uso da ferramenta no caso concreto como “extremamente inadequado”, de modo que considerou a atitude do advogado como ato de litigância de má-fé, aplicando-lhe multa de dois salários-mínimos vigentes (R$ 2.604,00).3

Diante disso, conclui-se que, apesar dos benefícios trazidos pela inteligência artificial no âmbito jurídico, as tarefas que são de responsabilidade privativa do advogado, como análise e elaboração de petições, pareceres, documentos e recursos, bem como a otimização de tempo, podem ser auxiliadas e melhoradas com o auxílio da IA, mas ainda não podem ser totalmente substituídas pela programação de linguagem em comento. Nesse mesmo sentido, o Conselho Nacional do Ministério Público emitiu recomendação aos promotores de justiça, especialmente no sentido de orientar sobre os riscos de lançar informações processuais sensíveis, sigilosas ou pessoais em banco de dados privado, não passível de fiscalização e controle por parte do Estado.

Em suma, não devemos nos enganar sobre a inevitabilidade do uso da IA e a inafastabilidade das obrigações do jurista. A responsabilidade profissional, o senso crítico, assertividade e considerações de outros aspectos de humanidades não podem ser delegados ou substituídos pelo ChatGPT. Desse modo, as tarefas produzidas pela IA terão de ser acompanhadas e revisadas criticamente pelo profissional da área, com a finalidade de ter a inteligência e sensibilidade humana preservadas e refletidas nas suas obras.

 

04 de julho de 2023.

Fábio Lima Almeida

 

1 https://shre.ink/LeidaUEsobreIA

2 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157233

3 https://shre.ink/TSEmultaadvogadoIA


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