Trancamento da ação penal em decorrência do reconhecimento da prescrição tributária em execução fiscal
Lavínia Costa dos Santos

É sabido que uma Ação Penal somente tem sua instauração por meio da apresentação de denúncia ou queixa crime que preencham todos os requisitos legais, sobretudo aqueles que dizem respeito às condições e pressupostos para o exercício da ação e a presença de justa causa para o oferecimento da mesma 1.

Nos Crimes Contra a Ordem Tributária e Econômica, principalmente os arrolados na Lei 8.1037/1990, há a necessidade ainda de que o débito objeto da suposta infração penal tenha sido formalmente lançado na Dívida Ativa da União, isso porque, é por meio do lançamento definitivo do débito que o Fisco declara o fato gerador da obrigação, a matéria e o valor tributável, o sujeito passivo e as penalidade aplicadas administrativamente 2, além, é claro, de sinalizar eventuais indícios de fraude por meio da Representação Fiscal para fins penais.

Ocorre que, se mesmo após a conclusão do procedimento administrativo e expedição da Certidão de Dívida Ativa, o Estado não tomar as providências cabíveis para a cobrança dos valores devidos dentro do prazo estipulado legalmente, qual seja, 5 (cinco) anos 3, embora devidamente constituído, o débito estará prescrito e, consequentemente, não poderá mais ser exigido do contribuinte. Destaca-se que o reconhecimento da prescrição na esfera fiscal importa na extinção do próprio crédito tributário e não somente da pretensão em exigi-lo 4

Importante mencionar que, diferentemente da prescrição, na decadência há a perda do direito de constituir o crédito tributário por meio do lançamento, ou seja, o débito não foi lançado dentro do prazo legal, que também é de 5 (cinco) anos, não podendo mais ser constituído em razão disso.

No âmbito criminal, o Estado, neste caso representado pelo Ministério Público, também possui um prazo, já determinado em lei, para o oferecimento da denúncia diante de eventual prática de crime contra a ordem tributária. Nos casos do art. 1º incisos I ao IV da Lei 8.137/90, o marco inicial do prazo prescricional se dá com a constituição definitiva do crédito tributário.

A discussão que por muitos anos se arrastou nos Tribunais do país foi: Nos casos em que houver o reconhecimento da prescrição tributária em Execução Fiscal, ainda na pendência de julgamento da ação penal ou antes mesmo do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, a punibilidade do réu (ou investigado) deverá necessariamente ser extinta pela perda do objeto ou ausência de justa causa?

Pois bem. O Superior Tribunal de Justiça já fixou entendimento no qual “a constituição regular e definitiva do crédito tributário é suficiente à tipificação das condutas previstas no art. 1º, incisos I a IV da Lei nº 8.137/90, de forma que o eventual reconhecimento da prescrição tributária não afeta a persecução penal, diante da independência entre as esferas administrativo-tributária penal”5.

De acordo com o entendimento firmado pelo Tribunal Superior, quando há o reconhecimento da prescrição do crédito tributário, ainda que a obrigação seja extinta na esfera fiscal, o débito foi legalmente constituído, o que não significa que o delito tributário não tenha se consumado e, estando o Ministério Público dentro do prazo estipulado pela lei penal, não há extinção da pretensão punitiva no âmbito criminal.

Isso quer dizer, em outras palavras, que a extinção da punibilidade do Réu pela extinção da Execução Fiscal, via de regra, e de acordo com o entendimento sedimentado até o momento, somente é possível nos casos de pagamento ou se houver reconhecimento da decadência, uma vez que a decadência possui como consequência tornar sem efeito o próprio lançamento tributário, elemento normativo do tipo penal incriminador6.

Contudo, para fins penais, nunca é demais observar a importância da justa causa para propositura da ação penal, especialmente a ofensa do bem jurídico tutelado pela lei. Assim, ainda que o entendimento sedimentado seja pelo não trancamento da ação em decorrência da prescrição, considerando que o bem jurídico tutelado nos Crimes Contra a Ordem Tributária é o patrimônio, ou o próprio interesse do Estado em arrecadar, se não há mais exigibilidade do débito, ou seja, a perda do direito do Estado em arrecadar, é possível defender que não há justa causa para a ação penal.

 

São Paulo, 22 de novembro de 2022.

Lavínia Costa dos Santos

 

1 Art. 395 do Código de Processo Penal.

2 Art. 142 do Código Tributário Nacional.

3 Art. 174 do Código Tributário Nacional.

4 Art. 156, inc. V do Código Tributário Nacional.

5 Tese 9 do STJ sobre os Crimes Contra a Ordem Tributária; RHC 81.446/RJ, j. 13/06/2017;

6 HC nº 56.799/SP, relatora ministra Laurita Vaz, julg. 13/3/2007, DJ 16/4/2007; Art. 9, §2º da Lei 10.684/2003.


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