No final do ano de 2021, foi publicada a Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, que trouxe significativas mudanças quanto ao tema da improbidade administrativa. Foram alterados pontos relevantes da disciplina contida na Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992.
Antes de adentrar nas principais mudanças trazidas pela Nova Lei, é importante conceituar a palavra improbidade. O vocábulo deriva do latim probitate que se refere à honradez, integridade e honestidade. A contrario sensu, portanto, improbidade nada mais é que a falta de probidade, ou seja, imoralidade, desonestidade, falta de integridade e lisura. Segundo o jurista Oscar Joseph de Plácido e Silva, refere-se à qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto ou que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral.1 Enquanto a moral comum é orientada por uma distinção puramente ética entre o bem e o mal, a moral administrativa é orientada por uma diferença prática entre a boa e má administração.2
A improbidade administrativa em si, observado o teor da lei vigente, pode ser conceituada como uma conduta dolosa indevida praticada por agentes públicos, conduta tal que pode estar relacionada à violação de princípios, gerar enriquecimento ilícito e/ou prejuízos para a Administração Pública.
A Nova Lei, em seus artigos 1º, §§1º, 2º e 3º, e 11, §§1º e 2º, caracterizou o ato de improbidade como a conduta funcional dolosa do agente público devidamente tipificada em lei, revestida de fins ilícitos e que tenha o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.
Percebe-se a preocupação do legislador em destacar a necessidade de comprovação de dolo na conduta do agente público para caracterização de improbidade administrativa, não bastando somente a ocorrência de imprudência, imperícia ou negligência. Aqui há uma mudança significativa, portanto. Na redação vigente, a configuração da improbidade pressupõe a conduta dolosa do agente.
Dessa forma, faz-se necessário que seja identificada a intenção do agente público de causar algum tipo de prejuízo ao erário, ferir os princípios da Administração Pública ou enriquecer ilicitamente.
Dentro de tal contexto, é possível sustentar que o dolo genérico não é suficiente para configurar a conduta da improbidade, sendo necessário o dolo específico. Esse, para estar caracterizado, pressupõe a vontade de praticar uma conduta buscando uma determinada finalidade ou resultado.
Guaracy Moreira Filho caracteriza, por um lado, o dolo genérico como a conduta punível, sem uma finalidade especial. Por outro lado, caracteriza o dolo específico como a vontade do agente dirigida a um fim de satisfazer interesse pessoal.3
Com isso, a nova redação da LIA coloca em xeque o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que, para constatação da improbidade, “é necessária à demonstração do elemento subjetivo doloso, o qual, contudo, não precisa ser específico, sendo suficiente o dolo genérico”.[4]
A Segunda Turma do STJ definiu que para haver improbidade administrativa bastava:
[...] a simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica - ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria -, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas.[5]
O artigo 3º da Nova Lei definiu que o agente privado apenas responderá por improbidade se concorrer ou induzir, dolosamente, para a prática do ato de improbidade.
Marçal Justen Filho explica que a conduta de concorrente acontece nos casos em que “o terceiro fornece os elementos necessários ou úteis para a consumação da improbidade”, enquanto a “indução corresponde à criação de incentivos, materiais ou não, que desencadeiam a conduta de improbidade”.[6]
Sendo assim, identificado o dolo específico na conduta do agente público ou privado, a Nova Lei trouxe mudanças tanto no âmbito das penalidades, quanto na majoração do prazo de suspensão dos direitos políticos e da proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios.
Em relação às condutas tipificadas no artigo 9, a Nova Lei agravou a possibilidade de pena e aumentou o limite de proibição de contratação com o Poder Público, de modo que o agente condenado poderá ter suspensos os seus direitos políticos por até 14 anos. A proibição de contratação com o Poder Público também teve prazo ampliado para 14 anos. Com relação à aplicação de multa, a Lei nº 8.429/92 permitia a fixação do valor em até 10 vezes o valor do acréscimo patrimonial decorrente do ato de improbidade. No entanto, com a promulgação da Nova Lei, esse valor teve limitação ao referido acréscimo patrimonial.
Além disso, condutas elencadas no artigo 10 que causem prejuízo ao erário estão sujeitas à penalidade de ressarcimento por multa civil de até o valor equivalente ao dano. A suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público foram majoradas para até 12 anos.
A Nova Lei prevê, ainda, o dever de pagamento de multa civil de até 24 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e a proibição de contratar com o poder público pelo prazo de até 4 anos para a prática de atos previstos no artigo 11.
Destaca-se que, em caso de demonstração de incapacidade financeira de saldar o débito da condenação de forma imediata, a Nova Lei, em seu artigo 18, §4º, possibilita o parcelamento da dívida oriunda da condenação em até 48 vezes.
No mais, manteve-se a obrigatoriedade de ressarcimento integral ao dano causado, bem como a perda dos benefícios obtidos de forma ilícita.
Pelo exposto, diante da exigência da configuração do dolo específico e da tipificação das condutas de improbidade, a Lei nº 14.230/21, aparentemente, é positiva e poderá conferir maior segurança jurídica tanto aos gestores públicos, quanto ao setor privado que atua no âmbito da Administração Pública. No entanto, a recente norma ainda deverá passar pelo crivo do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas.
13 de maio de 2022.
Ivana Eduarda Dias Arantes é integrante de Trigueiro Fontes Advogados no Rio de Janeiro.
1 DE PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 416.
2 FIGUEIREDO MOREIRA NETO, Diogo. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 105.
3 MOREIRA FILHO, Guaracy. Código Penal Comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Rideel, 2017.
4 STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1872310 – PR (2019/0377670-5). Relator Ministro Benedito Gonçalves. Primeira Turma. DJe 1.10.2020
5 REsp 1512085/SP, Rel. Min. Hermann Benjamin, j. em 02.08.2016, DJe 10.10.2016
6 JUSTEN FILHO, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p.p 51/52.