Uso de câmeras para monitoramento do ambiente de trabalho e a LGPD
Fabiana Cicchetto

Embora seja possível a utilização de equipamentos eletrônicos para monitoramento nas organizações, é necessário observar que existem alguns limites sobre o uso desses dispositivos, como se extrai do artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal e Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD).

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) sempre manteve um posicionamento conservador quanto à possibilidade de instalação de câmeras para monitoramento do ambiente de trabalho. Tal entendimento é geralmente pautado na preservação dos direitos individuais dos empregados, para evitar que sejam expostos a qualquer situação vexatória ou discriminatória.

No entanto, diante da dinâmica das relações de trabalho, em recente decisão1 o TST firmou entendimento sobre a possibilidade de se instalar câmeras de vigilância em locais coletivos de trabalho, desde que as câmeras estejam em lugares de comum acesso e os empregados sejam avisados previamente.

Portanto, não havendo a instalação de câmeras espiãs, em recintos destinados ao repouso, ou que pudessem expor a intimidade dos empregados, como banheiros ou vestiários, o monitoramento do ambiente de trabalho sob a ótica do TST não gera constrangimento aos empregados. Assim, tal atividade não pode ser considerada abusiva, não ensejando, portanto, eventual discussão sobre o pagamento de indenização por danos morais.

Em suma, está dentro do espectro do poder fiscalizatório do empregador o monitoramento de seus funcionários em certas situações, desde que sempre pautado pela proporcionalidade e respeitada a intimidade e privacidade destes. Apesar de tal orientação ter sido pacificada pela jurisprudência trabalhista, a LGPD adiciona nova camada de proteção e necessidade de análise mais detida sobre o tema.

Com o advento da LGPD, além de instalar as câmeras somente em locais comuns, é necessária a devida informação e fundamentação para utilização dos dados pessoais dos empregados, sob pena de violação aos direitos à intimidade e privacidade do trabalhador.

A LGPD aplica-se a toda relação em que ocorre o tratamento de dados pessoais. Segundo a referida lei, são dados pessoais toda informação relacionada a pessoal natural identificada ou identificável. E, portanto, a imagem captada pelas câmeras no ambiente de trabalho, a princípio, é considerada dado pessoal, justamente porque permite a identificação do titular nos termos da referida lei.

Neste cenário, é importante que os colaboradores sejam formalmente cientificados da realização das filmagens, da localização das câmeras, assim como da finalidade da captação das imagens (segurança, estudo ergonômico, desempenho/produtividade) de modo que exista transparência sobre a realização da coleta e objetivo do tratamento.

A empresa igualmente precisará estar atenta se somente serão captadas imagens ou se também serão gravadas as vozes dos empregados. Vale destacar que o tratamento dos dados deve ser compatível com a sua finalidade, para que não incorra em ameaça aos direitos civis e fundamentais dos empregados. Por isso, ressalta-se que somente devem ser coletados os dados necessários ao fim pretendido, em respeito ao Princípio da minimização.

O armazenamento destes dados pessoais (gravação das imagens) deverá ser cercado de todas as medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão. Além disso, somente poderão ser guardadas pelo tempo mínimo necessário para o estudo pretendido pela empresa, isto é, até o alcance de sua finalidade.

Por sua vez, as filmagens deverão ser descartadas após cumprimento de seu propósito. Tanto o acesso, armazenamento e descarte dos dados deverão constar de política de privacidade, bem como deverá ser registrada a base legal sob a qual os dados serão tratados.

As diretrizes e decisões tomadas por algumas autoridades europeias sobre a aplicação da GDPR podem guiar complementarmente as empresas sobre boas práticas de governança. Sobre esse tema, a Autoridade de Proteção de Dados Espanhola2, por exemplo, também reforça a necessidade de ser legitimada a prática e informados os trabalhadores e entes sindicais sobre o sistema de videomonitoramento.

As regras que circundam o tratamento dos dados devem incluir medidas adequadas para salvaguardar a dignidade e os direitos fundamentais do titular dos dados. Ademais, a organização deverá manter a transparência e segurança no tratamento dos dados, respeitando os princípios constitucionais aplicados ao Direito do Trabalho de forma não discriminatória e conjugada com os princípios da LGPD, impedindo a utilização dos dados para fins ilícitos e discriminatórios, sob pena de fiscalização e aplicação de sanções administrativas pelo auditor fiscal trabalhista e Agência Nacional de proteção de dados – ANPD.

 

São Paulo, 05 maio de 2022.

 

Fabiana Cicchetto é integrante de Trigueiro Fontes Advogados em São Paulo.

 

1 Decisão proferida pela 1ª Turma do C. TST, em 26.08.2020, nos autos do processo RR-21162-51.2015.5.04.0014, Ministra Relatora Dora Maria da Costa.

2 https://www.aepd.es/es/areas-de-actuacion/videovigilancia


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