Nova regulamentação para a Lei Anticorrupção - Lei nº 12.846/13 – diante da edição do Decreto nº 11.129/22
Mariana Vianna Martinelli

Em vigor desde 18.7.2022, o Decreto Federal nº 11.129/2022, regulamenta a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13 trazendo algumas inovações importantes.

Destaca-se que, de acordo com o art. 69 do novo diploma, as novas disposições regulamentares se aplicam imediatamente aos processos em curso, resguardados os atos praticados antes de sua vigência. Ou seja, os processos de responsabilização que já possuam relatório final sugerindo a aplicação de multa deverão ser julgados de acordo com as disposições do Decreto nº 8.420/20215.

Entre as principais mudanças introduzidas com a alteração, temos:


a) Suborno transnacional.

O Decreto nº 11.129/2022 destaca o compromisso assumido pelo Brasil em convenções internacionais, como as Convenções da OEA (Organização dos Estados Americanos), OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e das Nações Unidas, de combater o pagamento de vantagens indevidas por empresas brasileiras para funcionários públicos estrangeiros, sendo que os órgãos e as entidades da administração pública deverão comunicar à CGU, que tem competência exclusiva para apuração, quaisquer indícios de prática de atos lesivos por pessoas jurídicas brasileiras contra a Administração Pública estrangeira.

 b) Procedimento da investigação preliminar e rito do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR).

O Decreto nº 11.129/2022 incorpora previsões consolidadas de que a instauração de Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) deve ser precedida de investigação exaustiva quanto à existência de elementos de informação que justifiquem a formulação de uma acusação contra uma pessoa jurídica.

Ainda, incorpora a previsão de que a investigação preliminar dispensa a designação de comissão, podendo ser conduzida diretamente pela corregedoria da entidade ou unidade competente. E que deve se valer de todos os atos de apuração, inclusive o pedido de compartilhamento de informações tributárias da pessoa jurídica, a fim de decidir pelo cabimento de PAR ou arquivamento da matéria.

O prazo da investigação preliminar passa de 60 dias para 180 dias, sendo admitida a prorrogação mediante ato da corregedoria da entidade ou unidade competente.

Quanto ao rito do PAR, o Decreto nº 11.129/2022 incorpora aquilo que foi estabelecido pela Instrução Normativa CGU n.º 13/2019.

As novidades são: (i) a obrigação da comissão de PAR, no ato de indiciamento da pessoa jurídica, em indicar o ato lesivo investigado, as provas que sustentam a tese da ocorrência do ato lesivo e o enquadramento legal específico imputado à pessoa jurídica e (ii) a possibilidade de notificação e intimação de pessoa jurídica estrangeira, que possua (ou não) procurador, representante, gerente ou administrador constituído em sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil.

Importante, por fim, destacar que eventuais infrações à Lei Anticorrupção que também representem violação administrativa à Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública, serão julgadas em conjunto, nos mesmos autos do PAR (art. 16).

 c) Multa Administrativa.

O Decreto nº 11.129/2022 fez alterações significativas nos critérios de dosimetria para fins de cálculo da multa prevista pela Lei Anticorrupção, tanto para a majoração da multa, quanto para sua diminuição:

(i) ato lesivo continuado passa de 1% a 2,5% para até 4%, e específica ser concurso dos atos lesivos (art. 22, I);

(ii) em caso de tolerância ou ciência do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica a adição passa para até 3% (art. 22, II);

(iii) especificação que também poderá ser adicionado até 4% no caso de interrupção na entrega de bens ou serviços essenciais à prestação de serviços públicos ou no caso de descumprimento de requisitos regulatórios (art. 22, III);

(iv) considera o lucro líquido do último exercício anterior ao da instauração do PAR e não mais o lucro líquido do último exercício anterior ao da ocorrência do ato lesivo;

(v) diminui para 3% em caso de reincidência (art. 22, V);

(vi) estende a aplicação do inciso VI para convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres;

(vii) acréscimo de 1% a 5% a depender dos valores dos contratos/acordos afetados pelos atos lesivos, havendo aumento desse percentual a partir de R$ 500.000,00 até R$ 250.000.000,00, antes o intervalo era de R$ 1.500.000,00 até R$ 1.000.000.000,00;

(viii) redução da multa nos casos de não consumação da infração até 0,5%, o que antes era de 1% (art. 23, I);

(ix) redução de até 1% no caso de ressarcimento pela pessoa jurídica dos danos, antes era de 1,5%. Além da inserção dessa redução para a inexistência ou falta de comprovação de vantagem auferida e de danos (art. 23, II, “a” e “b”);

(x) a admissão voluntária da responsabilidade objetiva pelo ato lesivo não precisa mais ser anterior à instauração do PAR;

(xi) redução de até 5% no caso de a pessoa jurídica possuir um programa de integridade conforme os parâmetros estabelecidos no próprio Decreto (art. 23, V).

Além disso, o Decreto nº 11.129/2022 instituiu metodologia distinta do antigo decreto para estimar o valor da vantagem auferida pela empresa infratora, trazendo três possíveis: (i) o valor total da receita auferida em contrato administrativo e seus aditivos, subtraídos seus custos lícitos; (ii) o valor total das despesas ou custos evitados e (iii) os lucros obtidos pela pessoa jurídica em decorrência do ato lesivo.

d) Acordo de Leniência.

O novo Decreto nº 11.129/2022 traz a consolidação da prática já consagrada de que os acordos de leniência da Lei Anticorrupção serão negociados e celebrados conjuntamente entre CGU e AGU.

Define, em seu art. 32, que o acordo de leniência buscará o incremento da capacidade de investigação da administração pública, a potencialização de sua capacidade de recuperação de ativos e, também, o fomento da cultura de integridade no setor privado.

Também, outra novidade inserida no art. 51 é que o monitoramento das obrigações de adoção, implementação e aperfeiçoamento do programa de integridade, como uma condição à celebração dos acordos de leniência, pode ser dispensado em casos de atos lesivos de menor gravidade, do interesse público e das medidas de remediação adotadas pela pessoa jurídica.

Inclui disposição expressa quanto à possibilidade de compensação dos valores desembolsados pelas pessoas jurídicas a título de reparação de danos em outros eventuais processos sancionatórios relacionados ao mesmo fato (art. 37, §3º, incisos I e II).

 e) Programa de integridade.

O Decreto nº 11.129/2022 reforça o incentivo para adoção de programas de integridade, aumentando os benefícios que poderão ser obtidos pela pessoa jurídica que adota um programa de compliance efetivo.

Como reforço ao incentivo o Decreto nº 11.129/2022 aumenta o percentual de redução da multa para 5% se a pessoa jurídica demonstrar possuir um efetivo programa de compliance e destaca que fomentar e manter uma cultura de integridade na organização é um dos objetivos do programa.

Além disso, o Decreto aperfeiçoou a redação dos parâmetros de avaliação, tornando-os mais claros, reforçou a necessidade de, no caso de acordo de leniência, a pessoa jurídica se comprometer a implementar ou aperfeiçoar seu programa de integridade e previu, expressamente, que as informações relativas às etapas do processo de monitoramento do programa de integridade serão publicadas em transparência ativa no sítio eletrônico da Controladoria-Geral da União.

Mais uma lei reforçando a linha de exigência da conformidade, da ética e transparência, para fins de minimizar os prejuízos advindos da corrupção, que chegam a mais de um trilhão de dólares, conforme cálculo do Banco Mundial1.

  

São Paulo, 23 de agosto de 2022

 

1 ONU.https://news.un.org/pt/story/2016/12/1571041-us-26-trilhoes-sao-roubados-por-meio-de-corrupcao-todos-os-anos. Acesso em: 22.ago.2022


Voltar para artigos

Em conformidade com a LGPD, utilizamos apenas cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você fica ciente e concorda com o seus termos. Trigueiro Fontes Advogados se reserva o direito de atualizar esta Política de Privacidade sem qualquer aviso prévio. Clique Aqui para Saber Mais