Em contratos comerciais, são bastante comuns as cláusulas que, estabelecendo um pacto acessório, estipulam uma determinada multa contratual para o caso de descumprimento do contrato. Nesses casos, ocorrendo o inadimplemento parcial ou total do contrato, a parte culpada deve arcar com uma obrigação diversa da obrigação principal. Normalmente, define-se um valor em dinheiro, em um montante previamente acordado entre as Partes, considerado suficiente para reparação do prejuízo.
Conhecida como cláusula penal, ou pena convencional, há sólida jurisprudência acolhendo a licitude desse tipo de convenção entre as Partes contratantes1. Todavia, é preciso clareza na cláusula que estipula a pena convencional. A penalidade contratual pode ser afastada ou reduzida quando não há menção expressa sobre sua incidência em casos de rescisão antecipada. Sendo assim, recomenda-se que as cláusulas contratuais referentes à pena convencional especifiquem que esta será aplicada não apenas em casos de infração contratual, mas também prevalecerá nos casos de rescisão antecipada.
Para os contratos de longa duração, o Poder Judiciário tende a preservar o direito de aplicação da multa contratual, mesmo quando ocorrem várias renovações automáticas2. Isso porque é bem comum que os contratos que tenham prazo de duração determinado também prevejam renovação automática, caso nenhuma das partes manifeste desinteresse na continuidade do negócio. Atualmente, predomina o entendimento de que a cláusula de renovação automática não pode ser considerada abusiva, desde que o contrato estabeleça um mecanismo de denúncia. Por isso, mesmo quando se trata de renovação contratual automaticamente gerada pela inércia das Partes, os tribunais têm acatado a validade da cláusula penal.
Contudo, cabe o alerta, há dois entendimentos dissonantes nos tribunais. O primeiro reza que, em contratos com longa duração, a pena convencional deve ser reduzida proporcionalmente ao tempo de vigência do contrato. Isto é, quanto maior o número de renovações automáticas, mais reduzido será o valor da multa contratual.3
A segunda interpretação jurisprudencial divergente, que tem uma incidência bem limitada, afasta totalmente a aplicação da multa contratual em contratos de longa duração, ou quando há sucessivas renovações automáticas, tendo em vista o longo período de vigência contratual4.
Nessas decisões divergentes do entendimento majoritário, entende-se que o objetivo da pena convencional estipulada teria como única finalidade proteger o direito da parte investidora de reaver os valores investidos. Segundo essas duas correntes expostas acima, em contratos com longa vigência, tais investimentos teriam sido recuperados, afastando-se assim a aplicação de multa contratual. No entanto, respeitosamente, divergimos do entendimento de que as cláusulas penais devem ser mitigadas nos contratos de longa duração.
Como ensina a doutrina clássica, o contrato é um negócio jurídico, bilateral ou plurilateral, que tem como finalidade criar, regular, modificar ou extinguir um vínculo obrigacional entre as partes. Este é regido pelo princípio “Pacta sunt servanda”, termo em latim que representa a força obrigatória dos contratos, ou seja, se o contrato for celebrado sem vício, as cláusulas ali inseridas deverão ser cumpridas como se lei fossem.
Não é demais lembrar que, embora o contrato estabeleça lei entre as partes, se houver controvérsia, o Poder Judiciário (ou o tribunal arbitral, se assim tiverem estipulado as Partes contratantes) poderá atuar para decidir a questão. Isso ocorre porque a Constituição Federal assegura que nenhuma lesão, ou ameaça de direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário5. Na mesma toada, o art. 413 do Código Civil6 autoriza ao julgador a revisão da cláusula penal quando se tornar excessiva ou for abusiva. Todavia, o ordenamento jurídico também estabelece limitações de atuação do órgão julgador.
Com a vigência da Lei nº 13.874 de 20197 (Lei da Liberdade Econômica), o Código Civil foi alterado para que a intervenção do Poder Judiciário somente ocorra nas questões de direito privado de forma excepcional e justificada. Nessa toada, a validade da cláusula que prevê a multa convencional em pactos de longa duração tem sido preservada pelo Poder Judiciário, ainda que, em alguns casos, essa multa seja reduzida proporcionalmente ao tempo de vigência ou cumprimento do acordo.
Dessa forma, conclui-se que as cláusulas penais devem ser respeitadas, tal como estipulado entre as Partes contratantes, mesmo nos contratos de longa duração e de renovação automática. Afinal, a infração de qualquer cláusula contratual, independentemente da época em que ocorra, gera para a parte inocente danos que devem ser reparados. Tendo sido o montante dessa reparação livremente pactuado de forma prévia entre as Partes, as disposições da cláusula penal devem ser sempre respeitadas.
São Paulo, agosto de 2022.
1 TJMG; APCV 1.0024.12.085848-5/001; Rel. Des. Vicente de Oliveira Silva; Julg. 19/09/2017; DJEMG 29/09/2017; TJSP; APL 1109882-12.2016.8.26.0100; Ac. 11341348; São Paulo; Vigésima Sexta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Bonilha Filho; Julg. 09/04/2018; DJESP 17/04/2018; Pág. 2248; TJPE; APL 0050282-11.2011.8.17.0001; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Jones Figueirêdo Alves; Julg. 28/07/2016; DJEPE 16/08/2016.
2 Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Cível: AC 1033293-87.2019.8.26.0224 SP
3 Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Cível: AC 1014037-95.2018.8.26.0224 SP
4 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul-RS – Apelação Cível: AC 0026188-25.2020.8.21.7000 RS
5 Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV - “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. ”
6 Código Civil, art. 413 – “A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”
7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm