Compliance e a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021)
Rodrigo da Fonseca Chauvet
Mariana Vianna Martinelli
Ivana Eduarda Dias Arantes

A Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133 de 1ª de abril de 2021 - trouxe para o cenário de licitações e contratações administrativas disposições atuais que, certamente, conferirão mais lisura e transparência a esses contratos. Isso por conter previsões importantes sobre programas de compliance colocando-os como um ponto de atenção para as empresas contratantes com a Administração Pública.

Como conceito primário e de forma simplificada, compliance origina-se do verbo em inglês to comply. Significa realizar uma ação imposta, cumprir. Compliance, no ambiente corporativo, é relacionado à conformidade com as leis e regulamentos internos e externos à organização. Mas ultrapassa tal perspectiva e busca trazer para o ambiente de negócios a ética, a honestidade, a moral e a transparência.1

A solidificação da noção compliance adveio da criação do Foreign Corrupt Practices Act – FCPA, nos Estados Unidos, impulsionada pelo caso Watergate em 1972. A norma, promulgada em 1977, contribuiu com a fixação de rígidos programas de compliance no ambiente empresarial, de modo que o setor privado mantivesse uma atuação em conformidade com as leis e regulamentos.

No Brasil, seguindo-se tal tendência, promulgou-se, em 2013, a Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/13). A norma trouxe para o meio empresarial brasileiro a obrigatoriedade de criação de programas de compliance.

A perspectiva do compliance se expandiu, aos poucos, para as contratações públicas e passou a ser exigido por diversos Estados da Federação. Como exemplo, faz-se referências à Lei n.º 7.753/2017 do Estado do Rio de Janeiro, à Lei n.º 6.1123/2018 do Distrito Federal, bem como à Lei n.º 20.489/2019 do Estado de Goiás.

Foi nessa linha de exigência da conformidade, da ética e transparência nas contratações com a Administração Pública que, no âmbito federal, com o advento da Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), passou-se a considerar o programa de compliance como algo relevante para as empresas que atuam com contratações públicas, estando ele destacado em quatro artigos da nova lei.

No artigo 25, §4º, consta a exigência de implementação do programa de compliance para contratação de bens e serviços de grande vulto com a Administração Pública Federal, sendo considerados como tais aqueles acima de R$200 milhões de reais. Condutas que eram consideradas apenas boas práticas passaram a ser exigência, fato que contribui, ao menos em tese, para a realização de licitações e contratações administrativas pautadas pela ética.

Observa-se apenas que a empresa não precisa ter o programa de compliance efetivado para participar de certa licitação. Tal programa, caso já implementado na empresa, será considerado como critério de desempate. E, caso a empresa ainda não possua tal programa, terá o prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da assinatura do contrato administrativo para implementação.

Idealmente, seria possível defender a necessidade da efetivação de programas de compliance para toda contratação administrativa, independentemente do valor. No entanto, não se pode deixar de considerar que um programa de compliance – para ser efetivamente executado – gera custos, o que poderá reduzir o universo de competidores, sobretudo para contratações menores com a Administração Pública. Nesses casos, os licitantes, em regra, não são grandes empresas com altos rendimentos e budgets elevados para investimentos. Assim, mostra-se razoável e justificada, pela ótica da proporcionalidade e otimização de princípios e valores, a previsão legal determinando a obrigatoriedade do programa para grandes contratações, sem prejuízo de que, gradativamente, a exigência passe a ser imposta mesmo para contratações menores.

O compliance, na Nova Lei de Licitações, é apresentado, ainda, como fator de desempate em caso de empate entre duas ou mais propostas de diferentes licitantes (art. 60, inciso IV). É, ainda, um fator atenuante nas hipóteses de aplicação de penalidades (art. 156, §1º, inciso V) e condição de reabilitação do licitante ou contratado que tenha sido penalizado por, dentre outras condutas, apresentar declaração ou documentação falsa na licitação ou execução do contrato.

Tais disposições da Nova Lei de Licitações demonstram o valor e a necessidade que um programa de compliance efetivo agrega à empresa.

No mais, pesquisas realizadas em diversas instituições2 demonstram que  empresas possuidoras de programa de compliance ganham valor de mercado, minimizam seus riscos (principalmente pela descoberta de fraudes através de canais de denúncia), aumentam a produtividade diante da satisfação de seus colaboradores de trabalhar em um ambiente ético e recebem destaque em seus produtos pelos consumidores preferirem marcas relacionadas à integridade.

Dentro de tal cenário, a Nova Lei de Licitações, de forma acertada, acaba por beneficiar os licitantes que implementam um programa de compliance. Percebe-se que a perspectiva do compliance, já disseminada no setor privado, passa, de forma positiva, a atingir, cada vez mais, as licitações e contratos administrativos, reforçando os pilares da ética, da transparência e da integridade corporativa. Espera-se que essa postura lícita, ética e íntegra se consolide nos setores público e privado, resultando em procedimentos licitatórios e contratações públicas cada vez mais corretas, eficientes e justas.

 

Rodrigo da Fonseca Chauvet, Mariana Vianna Martinelli e Ivana Eduarda Dias Arantes são integrantes de Trigueiro Fontes Advogados em São Paulo e no Rio de Janeiro.

 

1 Giovanini, Wagner. Compliance: a excelência na prática. 1ª Ed. São Paulo: 2014. Editora Compliance Total. Pg. 20.

2 Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), Universidade do Kansas, Stanford e UC Santa Barbara, Mckinsey & Co.


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