O Acordo de Não Persecução Penal é um dos meios da chamada “Consensualização do Direito Criminal”. Trata-se de uma modernização do Direito Penal, visando celeridade, efetividade e eficiência da Justiça Criminal.
Como parte deste novo formato do direito Penal Consensual, podemos citar ainda, a colaboração premiada, a suspensão condicional do processo, a transação penal e, dando já um direcionamento para o tema de nossa análise, o acordo de não continuidade da persecução penal.
O acordo de não persecução penal está previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, sendo uma alteração trazida pela Lei nº 13.964/2019. Nos termos do referido dispositivo legal, o acordo para não persecução penal somente é permitido para crimes cuja pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos e que não tenham sido cometidos com violência ou grave ameaça.
A possibilidade de ser firmado o ANPP deverá ser analisada caso a caso, uma vez que para aferição da pena mínima cominada ao delito devem ser consideradas as causas de aumento e diminuição de pena (§1º do art. 28-A).
Importante ressaltar que o acordo de não persecução penal não pode ser aplicado nas seguintes hipóteses (§2º do art. 28-A e seus incisos): a) quando for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais; b) quando o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional; c) o agente haver sido beneficiado no prazo de 5 (cinco) anos antes do cometimento da infração, por outro acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; d) quando o crime for praticado em violência doméstica ou familiar, bem como se for praticado contra a mulher por razões do sexo feminino, em favor do agressor.
Da leitura do parágrafo anterior fica evidente que o acordo de não persecução penal decorre da modernização do direito penal, que visa o direcionamento de medidas mais duras para os crimes de maior repercussão ou para os criminosos de maior periculosidade. A utilização do ANPP evita o processo e, assim, permite que os operadores do direito se dediquem aos casos mais complexos, resultando em maior celeridade, eficiência e eficácia na solução de demandas criminais, conforme já suscitado.
Importante mencionar que, para se beneficiar do acordo de não persecução penal, o agende deverá reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto se tais medidas forem impossíveis. Trata-se de uma maneira de o acusado reconhecer e reparar o dano praticado, permitindo ao Ministério Público implementar meios mais eficazes para a reparação do ilícito.
Para ilustrar a eficácia do ANPP, bem como demonstrar que sua aplicação está cada vez mais presente em nossos Tribunais, recentemente (25.05.2021) foi noticiada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco a homologação do primeiro Acordo de Não Persecução Penal em relação a crime ambiental no 2º grau1. O Procedimento Investigatório Criminal – PIC onde foi firmado o acordo versa sobre a prática de crime ambiental por gestor municipal, em razão de danos ambientais causados pela existência de aterro sanitário que não atendia as exigências legais.
Não obstante seja cada vez mais aplicado o ANPP, existe discussão acerca da possibilidade de ser firmado acordo de não persecução penal após o recebimento da denúncia, ou seja, já no curso da ação penal.
Embora o Enunciado nº 98 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal2 preveja ser cabível o oferecimento de ANPP no curso da ação penal, desde que atendidos os requisitos legais, há decisões conflitantes sobre o tema, até mesmo nas Câmaras do STJ.
Apenas de forma ilustrativa, a 5ª Turma do STJ entende que somente é possível aplicação do ANPP até o recebimento da denúncia3, enquanto a 6ª Turma do mesmo Tribunal aceita a aplicação do ANPP no curso da demanda, até o trânsito em julgado da decisão condenatória4.
O que se discute, portanto, é se a Lei que inseriu o artigo 28-A no Código de Processo Penal é de natureza mista (material e processual) ou apenas processual e, sendo considerada mista, se poderá retroagir em benefício do réu, em processos com decisão não transitada em julgado.
No âmbito do STF podem ser citadas decisões dos Ministros Alexandre de Moraes5 e Roberto Barroso6 no sentido de não ser possível aplicar o ANPP após o recebimento da denúncia. Ocorre que, embora já tenha decidido no mesmo sentido, o Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do Habeas Corpus nº 185.913 houve por bem afetar a matéria, por se tratar de interesse constitucional, em razão da regra de que a lei penal retroagirá para beneficiar o réu, formulando as “questões-problemas” que devem ser respondidas pelo Pleno do Superior Tribunal Federal:
“a) O ANPP pode ser oferecido em processos já em curso quando do surgimento da Lei 13.964/19? Qual é a natureza da norma inserida no art. 28-A do CPP? É possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado?
b) É potencialmente cabível o oferecimento do ANPP mesmo em casos nos quais o imputado não tenha confessado anteriormente, durante a investigação ou o processo?”
Considerando a importância do tema, especialmente em razão da possibilidade de ser permitida a aplicação de ANPP em ações penais em curso, mesmo que já tenha sido proferida decisão condenatória, a decisão do Pleno do STF em relação às questões formuladas no HC nº 185.913 deve ser acompanhada com atenção.
São Paulo, junho de 2021.
Fábio Henrique Catão de Oliveira é sócio de Trigueiro Fontes Advogados em São Paulo.
1 https://www.tjpe.jus.br/-/tjpe-homologa-primeiro-acordo-de-nao-persecucao-penal-em-relacao-a-crime-ambiental-no-2-grau
2 Enunciado nº 98: É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o integrante do MPF oficiante assegurar que seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A da Lei n° 13.964/19. (Aprovado na 182ª Sessão Virtual de Coordenação, de 25/05/2020).
3 (EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp 1.681.153/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 8.9.2020, DJe 14.9.2020
4 AgRg no HC 575.395/RN, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 8.9.2020, DJe 14.9.2020
5 STF - RHC: 198981 SC 0299622-16.2020.3.00.0000, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 23/03/2021, Data de Publicação: 24/03/2021
6 STF - HC: 191464 SC 0103089-52.2020.1.00.0000, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 11/11/2020, Primeira Turma, Data de Publicação: 26/11/2020