Contratações Diretas na Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021)
Rodrigo da Fonseca Chauvet
Mariana Vianna Martinelli
Ivana Eduarda Dias Arantes

Por força do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988 é exigido que as contratações a serem realizadas pela Administração Pública sejam precedidas de processo licitatório que assegure, dentre outros aspectos, igualdade de condições a todos os concorrentes.

Em situações específicas, no entanto, seguindo, de uma maneira geral, o já fixado na Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993, a Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133 de 1ª de abril de 2021 - prevê a possibilidade de contratação direta por dispensa ou inexigibilidade de licitação.

Nas hipóteses de dispensa, a licitação é até factível diante da possibilidade de competição, mas não é obrigatória. O rol previsto no artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 é taxativo quanto às hipóteses de dispensa de licitação, sendo certo que, comparando-se a norma mais recente com a Lei nº 8.666/1993, há algumas novidades.

O valor máximo para a dispensa de licitação passa a ser de R$100.000,00 (cem mil reais) para obras e serviços de engenharia e para serviços de manutenção de veículos automotores (nova hipótese) e de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) para compras e outros serviços.  Os referidos valores devem ser dobrados nos casos de contratos firmados por consórcio público, ou por autarquia ou fundação qualificada, como agências executivas definidas em lei.

Já em casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos, somente é autorizada a dispensa para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade. É vedada a prorrogação dos respectivos contratos e a re-contratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso.

A inexigibilidade, por sua vez, decorre de situações nas quais a competição em si seja inviável, tais como: (i) para aquisição de materiais, equipamentos ou serviços prestados exclusivamente por uma única empresa; (ii) para contratação de serviços técnicos; e (iii) para contratação de profissional do setor artístico, desde que este seja consagrado pela opinião pública ou crítica especializada.

As três hipóteses já previstas na Lei nº 8.666/1993 continuam a existir na nova norma. No entanto, a Lei nº 14.133/2021 deixa de mencionar a necessidade do serviço técnico ter natureza singular e passa a exigir que ele seja predominantemente intelectual e seja prestado por um profissional de notória especialização. 

Quanto à contratação de serviços prestados por uma única empresa, a Súmula 255 do TCU estabelece que é “dever do agente público responsável pela contratação, a adoção de todas as providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade”.

Sobre o conceito de serviço técnico predominantemente intelectual, Marçal Justen Filho pontua que é aquele que “envolve uma habilidade individual, uma capacitação peculiar, relacionada com potenciais intelectuais personalíssimos, ou seja, a referência à natureza predominantemente intelectual é a soma de características intelectuais e manuais”.1

A Nova Lei prevê, ainda, em seus incisos IV e V do artigo 74, duas novas hipóteses para a contratação direta por inexigibilidade: o credenciamento de profissionais e a aquisição ou locação de imóveis cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha.

Na primeira hipótese, a Administração Pública divulga um edital com os requisitos a serem cumpridos e as informações a respeito do credenciamento e quem se interessar é contratado diretamente. Já em relação à segunda hipótese, caso haja a necessidade de locação ou compra de um imóvel específico, destinado a atender determinada finalidade pública, não haverá a necessidade de realizar licitação, tendo em vista que as características específicas e a localização do imóvel condicionam a escolha.

Destaca-se que a contratação sem o procedimento licitatório formal não significa ausência de respeito aos princípios básicos que orientam a atuação administrativa.  Tanto é que, para a identificação sobre a necessidade e viabilidade de licitação por dispensa ou inexigibilidade, o artigo 20 parágrafo 1º da Instrução Normativa 5/2017 – MPDG instrui que sejam realizadas as etapas de planejamento da contratação (estudos preliminares; gerenciamento de riscos e; projeto básico) a fim de dirimir eventuais equívocos ou irregularidades.

Partindo para uma avaliação mais detalhada do novo diploma legal, vislumbra-se que a nova Lei trouxe ainda a necessidade de planejamento para o procedimento de dispensa de licitação, de modo que o artigo 72 é taxativo quanto ao rol de documentos necessários para a realização do procedimento.

O parágrafo 4º do artigo 53, por sua vez, estabelece que “o órgão de assessoramento jurídico da Administração também realizará controle prévio de legalidade de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos”.

No mais, a nova Lei trouxe a obrigatoriedade quanto à observância do artigo 23, que determina que “o valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto”. A observância ao dispositivo evitará, dentre outras questões, contratações diretas com sobrepreço.

Quando, excepcionalmente, não for possível estimar o valor do objeto a ser contratado, caberá ao particular comprovar, previamente, que os preços estão em conformidade com os praticados em contratações semelhantes de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes no período de até 1 (um) ano anterior à data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo.

Nesse sentido, o entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) de acordo com o qual “mesmo em hipótese de contratações diretas, o preço a ser praticado pela Administração deve estar em conformidade com os praticados pelo mercado (...)”.2

Já em relação à formalização das contratações diretas, o artigo 92, inciso II, estabelece a obrigatoriedade de constar em cláusula, a vinculação do edital de licitação e a proposta do licitante vencedor ou ato que tiver autorizado a contratação direta e a respectiva proposta.

Após a assinatura do contrato, o artigo 94, inciso II, estipula o prazo de 10 (dez) dias para divulgação da contratação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP)[3]. Tal procedimento é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos.

De todo o exposto, destaca-se, em tom conclusivo, que a contratação direta – seja por dispensa ou por inexigibilidade - segue sendo excepcional se comparada à regra geral de realização de regular processo licitatório. E que, além de todas as demais exigências legais, os preços praticados nas situações de dispensa ou inexigibilidade devem ser devidamente justificados, sobretudo considerando os padrões de mercado quanto aos produtos fornecidos ou serviços executados. 

 

13 de julho de 2021.

 

Rodrigo da Fonseca Chauvet, Mariana Vianna Martinelli e Ivana Eduarda Dias Arantes são integrantes de Trigueiro Fontes Advogados.

 

1 FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 976.

2 TCU - Acórdão nº 1038/2011-Plenário, TC-003.832/2008-7, rel. Min.-Subst. André Luís Carvalho, 20.04.2011.

3 Foge ao escopo do presente artigo a análise do PNCP. De todo modo, a plena eficácia da Lei nº 14.133/2021 poderá ser limitada até a efetiva implantação do aludido Portal.


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