Desde o dia 11 de março de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia de COVID-19, o mundo vem enfrentando desafios e restrições, os quais vem acarretando mudanças, especialmente no âmbito trabalhista.
Fato é que, em razão da pandemia, a saúde pública passa a ser um dever de todo o cidadão, empregado ou empregador, que deve estar atento às situações que coloquem em risco a vida dos familiares, amigos e também dos colegas de trabalho.
Assim, abre-se uma discussão na esfera trabalhista, em face dos reflexos da pandemia, sobre a possibilidade de o empregador aplicar penalidades disciplinares, entre estas a demissão por justa causa, ao funcionário que participa de eventos com excessiva aglomeração, fora do horário de trabalho, em desrespeito às normas sanitárias e de prevenção vigentes contra a COVID-19 e, também, diante de eventual recusa à vacinação.
Inicialmente destaca-se que, em que pese existir nítida distinção entre a vida privada e a vida corporativa, em tempos de pandemia da COVID-19 e em situações de gravidade extrema com risco de contaminação, a saúde pública, mais do que nunca, deve ser considerada dever de todos. Logo, o interesse público protegido pela Constituição Federal permite e determina o condicionamento de direitos individuais, razão pela qual faz-se necessária a obrigação de todos, e especialmente no ambiente de trabalho, de auxiliar no combate à disseminação do vírus.
Assim, os empregadores devem ter em mente que para se resguardar deverão seguir as recomendações das autoridades competentes e adotar medidas de segurança e higiene no trabalho. Além disso, é importante estabelecer rotinas de proteção entre trabalhadores, orientar sobre quais são as regras e como segui-las e fiscalizar se tudo está sendo feito de forma correta para evitar a disseminação da Covid-19. O empregador deve ofertar todos os EPI’s necessários ao exercício das atividades profissionais, além de manter instalações limpas, ventiladas e higienizadas, fornecer e estimular o uso de produtos de higiene pessoal.
Caso o empregador descumpra com suas obrigações, poderá ocorrer a rescisão indireta pelo empregado prejudicado, ou seja, o trabalhador, por sua iniciativa, entende por rescindido o contrato de trabalho por culpa do empregador.
Por outro lado, se algum trabalhador recusar o cumprimento das recomendações de prevenção ou for flagrado praticando atos em flagrante descumprimento das normas sanitária de proteção e que possam acarretar em risco à saúde dos demais colegas, o empregador, por ser o responsável pela preservação do ambiente de trabalho, poderá aplicar penalidades desde a advertência verbal ou escrita, suspensão ou até mesmo a demissão por justa causa, por má conduta, prevista no alínea “b” do art. 482 da CLT.
Importante destacar que a aplicação da justa causa nestes casos deverá ser precedida da comprovação, pelo empregador, de que o empregado não tem respeitado as regras de cuidado e prevenção sanitárias contra a disseminação da COVID-19. Tal comprovação pode ser feita, inclusive, por meio de postagens do empregado em redes sociais.
Por fim, destacamos que com a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para o uso emergencial de vacinas contra a COVID-19, teve início o plano nacional de vacinação que será extensivo a todos os brasileiros. O Plano Nacional já foi iniciado, mas há muitos brasileiros contrários à imunização e que afirmam que não serão vacinados. Contudo, esta decisão poderá custar o emprego do trabalhador.
Isto porque, a recusa em tomar a vacina, assim como quanto ao uso de máscaras e adoção de demais mecanismos de proteção, são fatores que aumentam as chances de se contrair a doença e disseminá-la no ambiente de trabalho. Nos termos do artigo 157 da CLT, o empregador tem o dever de zelar pela saúde e segurança no ambiente de trabalho. Diante disso, os empregados poderão ser cobrados pelas empresas para apresentarem o comprovante de vacinação e a recusa infundada pode ensejar a demissão por justa causa.
Especificamente quanto à recusa à imunização pela vacina, trata-se de descumprimento dos protocolos de proteção, o que coloca a vida de outras pessoas em risco, e isso pode ser interpretado como ato de indisciplina ou insubordinação, previsto na alínea “h” do art. 482 da CLT.
Entretanto, trata-se de um tema polêmico, pois coloca em rota de colisão dois princípios constitucionais: o princípio da legalidade e a liberdade do indivíduo, e a questão da saúde pública e o dever legal do empregador de manter um ambiente de trabalho saudável. Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal decidiu que, apesar de a vacinação não ser obrigatória, ela poderá implicar em punições para aqueles que se recusarem a tomar a vacina (ADIs 6586 e 6587 e ARE 1267879).
No entanto, recomenda-se que a aplicação da penalidade de justa causa para os casos em que o empregado se recusa à imunização pela vacina não seja uma decisão baseada em uma primeira ou única negativa, pois dessa forma pode ser considerada penalidade muito severa, passível de reversão. O mais adequado é que seja feita, em um primeiro momento, aplicação de uma advertência escrita, em seguida uma suspensão e, em caso de insistência no comportamento do empregado, poderá ser aplicada a pena de demissão por justa causa.
Por fim, importante destacar que podem existir empregados portadores de determinada condição de saúde em que não se indica a vacinação, de modo que, diante de um atestado médico neste sentido, não se poderá exigir a vacinação do referido empregado.
São Paulo, janeiro de 2021.
Débora Nunes Diniz é advogada de Trigueiro Fontes Advogados em Porto Alegre.