Com o advento da pandemia da COVID-19 e a velocidade com que as empresas precisaram pensar em soluções alternativas para garantir a manutenção dos contratos de emprego e, ao mesmo tempo, a segurança da saúde de seus empregados, foi aguardada com ansiedade a edição de medidas efetivas do Governo Federal o que, em relação especificamente à área trabalhista, ocorreu por meio da MP 927/2020 e, em seguida, da MP 928/2020 que revogou um artigo da MP anterior que já nasceu cercado de controvérsias por prever a suspensão do contrato de trabalho sem qualquer remuneração ao empregado.
Todavia, não se pode afirmar categoricamente que todas as medidas apontadas na MP 927/2020 irão efetivamente salvaguardar os empregadores, pois não há garantias de que, caso alguma questão seja objeto de judicialização, o Poder Judiciário vá declarar a validade de algumas destas medidas.
A título de exemplo, discute-se a amplitude do artigo 2º, segundo o qual “ Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição”.
Ora, a MP, contrariando a legislação trabalhista vigente, dispõe que o acordo individual feito entre o empregado e o empregador deve prevalecer em relação à negociação coletiva, aos acordos individuais anteriormente firmados e até mesmo à lei.
Ainda que o momento exija aplicação de certas flexibilizações, não há dúvida de que é preciso cautela na realização de acordo feito de forma individual, atentando-se para as matérias que podem ser objeto desta negociação, as quais, a princípio, são aquelas passíveis de renúncia pelo empregado. Assim, poderia ser negociado o parcelamento de alguma verba ou até mesmo negociação dos termos de uma rescisão.
Mas não se poderia negociar, por exemplo, o não recebimento de adicional de insalubridade ou de periculosidade, uma vez que se tratam de verbas relacionadas à saúde e vem se entendendo que também não seria o caso de pactuar de forma individual a redução salarial, mesmo que acompanhada de redução de jornada.
Nesse sentido, especificamente quanto à redução salarial, posicionou-se o Ministério Público do Trabalho em Nota Técnica sobre a Medida Provisória nº 927/2020, veiculada em 28.3.2020, na qual é defendido o posicionamento de que o quadro excepcional não pode autorizar a inversão do ordenamento jurídico para que as negociações entre trabalhador e empregador estejam acima de normas coletivas e da própria lei, devendo ser respeitados os limites previstos nas convenções ou acordos coletivos, em atenção ao artigo 7º, XXVI da Constituição Federal, sob pena de inconstitucionalidade.
Referida Nota Técnica traz considerações ainda sobre a observância do limite da jornada no teletrabalho e de um limite para a possibilidade de antecipação das férias, dentre outras matérias objeto da MP.
Assim, o que se extrai das análises feitas sobre a MP pelos aplicadores do Direito é que a flexibilização de alguns direitos para que seja possível atravessar este momento não é um salvo-conduto para que os empregadores adotem qualquer tipo de medida e nem extrapolem os limites do que pode ser considerado razoável, até porque a aplicabilidade da MP está restrita ao período em que perdurar o estado de calamidade.
Não se pode perder de vista que, em que pese o caráter excepcionalíssimo do estado de calamidade vivido, deverá ser respeitada pela empresa a dignidade dos trabalhadores, não sendo transgredido qualquer traço de justiça social.
Logo, mesmo se tratando de uma situação de força maior, em que soluções “fora da caixinha” precisam ser adotadas para a preservação das empresas e dos empregos, é certo que a aplicação sem cautela das medidas previstas na MP pode ocasionar futuros litígios.
São Paulo, março de 2020.
Mariana Madalena Silva Maciel
é advogada de Trigueiro Fontes Advogados em São Paulo.