A pandemia do vírus Covid-19 está causando grande impacto em diversos setores da economia mundial.
Como as medidas preventivas para enfrentamento desta situação de emergência de saúde pública impõem o isolamento social, como forma de abrandar o alastramento do vírus, são inevitáveis as consequências negativas para o comércio, diante da paralisação do consumo pelas pessoas impedidas de sair de suas casas.
Pelo mesmo motivo, há forte impacto no setor de serviços não essenciais e de bens duráveis, pela racionalização da demanda, o que acarreta a perda de receita por estas empresas, apesar de mantidas as despesas de operação.
Por consequência, a atual dinâmica gera uma grave repercussão nas relações de trabalho.
Apesar da preponderância das questões de saúde pública, o novo cenário impõe aos empresários buscar rápidas soluções para adequar a situação de seus colaboradores, bem como minimizar os prejuízos dos seus negócios.
As relações de trabalho clamam por flexibilizações na legislação existente, em busca de uma adequação imediata dos direitos trabalhistas à atual conjuntura social. Almeja-se, dentro do possível, por medidas que possam manter a maior parte dos empregos e, ao mesmo tempo, mitigar os prejuízos para os empresários e, consequentemente, para a economia.
O contexto não é simples, se forem incluídos nesta análise os impactos da crise externa. Desse modo, os empresários, além da reorganização interna de suas atividades, também precisam de ajuda do Governo para enfretamento do atual momento.
Especialistas de diversas áreas defendem que, diante da extensão e complexidade da atual instabilidade econômica, o Governo precisaria adotar um conjunto de medidas como forma de facilitar linhas de crédito para adequação do capital de giro das empresas afetadas pela crise, ajudar na redução das despesas/custos empresariais e evitar um aumento drástico no nível de desemprego.
Entrementes, a tarefa não parece fácil, se considerarmos que o Governo ainda não deu sinais concretos de que pretende ultrapassar o teto de gastos por ele estabelecido.
No que tange às relações de trabalho, a solução mais recente encontrada pelo Governo foi a edição da Medida Provisória nº 927/2020, que estabelece regramentos emergenciais para enfretamento e preservação do emprego durante o estado de emergência e calamidade pública, cujos efeitos ocorrerão até 31 de dezembro de 2020, conforme disposto no Decreto Legislativo nº 06/2020.
A Medida Provisória nº 927/2020 tratou de temas como a prevalência do acordo sobre o negociado e o legislado; trabalho remoto, teletrabalho e trabalho à distância; possibilidade de antecipação de férias individuais e feriados; concessão de férias coletivas; utilização de banco de horas; suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho; suspensão de exigibilidade do recolhimento do FGTS referente a competências próximas, dentre outros.
Vale destacar que a MP nº 927/2020, em relação a tais pontos, previu a flexibilização provisória de institutos já aplicados nas relações de trabalho, buscando estabelecer maior segurança jurídica nesse momento de incertezas.
Na inovação que buscou trazer, previu a delicada hipótese de possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, por até quatro meses, para participação do empregado em programa de qualificação não presencial oferecido pelo empregador. Isto é, o trabalhador permaneceria sem trabalhar, para ser supostamente qualificado, mas também sem receber.
Em face da expressa possibilidade de supressão de salário, o artigo 18, que tratava desta hipótese, foi alvo de duras críticas e manifestos públicos, não apenas pelas eventuais inconstitucionalidades, mas pela ineficácia para a classe trabalhadora, o que fez com que o Governo publicasse uma nova Medida Provisória de nº 928/2020, revogando expressamente referido artigo.
Obviamente, a MP nº 927/2020 neste ponto, não convergia com seu intuito principal, qual seja, possibilitar o enfretamento da crise e a preservação do emprego, já que a supressão do salário do trabalhador poderia não acarretar no seu imediato desemprego, mas também não possibilitaria qualquer forma de consumo por este, o que impacta diretamente na economia, já desaquecida.
Em que pese se tratar de uma das primeiras medidas adotadas pelo Governo nessa área, a MP nº 927/2020 não foi acertada na previsão supramencionada, pois transferia ao trabalhador o ônus de arcar com os impactos da pandemia.
Aguarda-se que em breve, pelo menos mais uma Medida Provisória seja publicada, esta sim prevendo que tipo de aporte financeiro o Governo fará para ajudar as empresas e os trabalhadores a enfrentarem a pandemia, seja com uso de recursos do FGTS, do FAT ou de outra fonte de custeio.
Vale destacar que outros países já adotaram medidas mais eficazes no que tange as relações de trabalho, como a suspensão de execução de hipotecas e a suspensão temporária das obrigações fiscais tanto para empresas, como para os cidadãos.
Os EUA, além dos mecanismos supracitados, adotaram medidas prevendo o pagamento de licença remunerada no valor de dois terços do salário aos empregados que precisarem cuidar dos filhos ou parentes.
Na França, o plano emergencial também incluiu o pagamento de benefícios aos trabalhadores autônomos, assim como o pagamento parcial da remuneração dos desempregados devido à pandemia. A Espanha estendeu as regras de licença médica para trabalhadores que não estão doentes, mas em isolamento; e Portugal estabeleceu que os trabalhadores que precisarem ficar em casa para cuidar de filhos menores de 12 anos vão receber dois terços do salário, sendo que destes, um terço será pago pelo Governo.
A Itália, que foi o país mais afetado até este momento, anunciou medidas mais pontuais como a concessão de subsídios aos desempregados; suspensão temporária das obrigações fiscais para empresas e cidadãos; proibição de demissões por dois meses; entrega de um bônus para que os pais que precisam trabalhar paguem pelos cuidadores de seus filhos. Também foi assinado um protocolo de segurança entre sindicatos e associações comerciais para a implantação de cuidados em relação ao ambiente de trabalho, como a higienização de fábricas, hospitais e o uso de máscaras e luvas por parte dos empregados.
Fato é que, embora também exista grande anseio da sociedade brasileira por medidas eficientes de amparo financeiro estatal para a manutenção dos empregos e alívio provisório dos empresários, por ora, o Governo ainda não conseguiu criar mecanismos certeiros para orientar as relações de trabalho.
São Paulo, março de 2020
Fabiana Cicchetto é advogada de Trigueiro Fontes Advogados em São Paulo.