A estabilidade gestacional nos acordos de suspensão de contrato e redução proporcional de jornada de trabalho e salário em face da Lei nº 14.020/20.
Débora Nunes Diniz

A Constituição Federal e a CLT garantem a estabilidade da gestante a partir da confirmação da gravidez até cinco meses após a realização do parto, incluído neste período os 120 (cento e vinte) dias da licença-maternidade. Essa estabilidade provisória é garantida mesmo que a empregada não tenha conhecimento do seu estado gravídico no ato da rescisão contratual, ou que venha a engravidar no curso do aviso prévio ou, ainda no caso de contratação por prazo determinado. Isso porque a garantia da estabilidade visa, principalmente, a proteção do bebê.

Com o advento da pandemia causada pela COVID-19, uma série de medidas foram adotadas pelo Governo a fim de salvaguardar o emprego e a renda do trabalhador, respeitados os direitos trabalhistas básicos, entre estes a estabilidade da empregada gestante.

A Medida Provisória nº 936, convertida na Lei nº 14.020/20, amplamente utilizada pelas empresas  em razão de prever a possibilidade de redução proporcional da jornada de trabalho e salário e a suspensão do contrato de trabalho por até 90 (noventa) dias, também reconheceu à empregada gestante a garantia da estabilidade no emprego por período equivalente ao eventualmente acordado para a redução da jornada de trabalho e do salário, ou para a suspensão temporária do contrato de trabalho, contudo, fixou, no inciso III do artigo 10 da referida Lei[1], que tal estabilidade começa a contar apenas a partir do término do período estável já previsto pela Constituição Federal, na  alínea “b” do inciso II do caput  do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias[2] .

Desta forma, enquanto o empregado comum terá estabilidade de emprego proporcional ao tempo em que teve o salário reduzido ou o contrato suspenso, nos termos do artigo 10º, incisos I e II, da Lei nº 14.020/20, à empregada gestante foi garantida uma estabilidade ampliada, ou seja, o somatório desta estabilidade e daquela prevista na Constituição Federal, de cinco meses após o parto.

Portanto, o fato gerador para o pagamento do salário maternidade, que pode ser a data do parto ou da adoção, ensejará a interrupção do acordo de suspensão do contrato de trabalho ou de redução do salário e jornada para a gestante, devendo o empregador comunicar o Ministério da Economia por meio do endereço eletrônico disponibilizado pelo Governo Federal (https://servicos.mte.gov.br/bem), para que ocorra a suspensão do pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, uma vez que a empregada passará a receber o salário maternidade pago pelo órgão previdenciário. Passado o período de gozo da licença maternidade e retornando a empregada ao trabalho, poderá gozar, a partir desta data, da estabilidade decorrente da suspensão do contrato ou da redução do salário e jornada. 

Contudo, na prática, o acordo para suspensão do contrato de trabalho da empregada gestante, previsto pela Lei nº 14.020/20, pode implicar em riscos para o empregador, devendo ser adotado com cautela, uma vez que, se o contrato de trabalho desta empregada estiver suspenso quando ocorrer o fato gerador do pagamento do auxílio maternidade - parto/adoção -, o empregador poderá enfrentar dificuldades no manuseio do sistema oficial para cadastro dos acordos,  encontrando entraves na migração do evento “suspensão” para “licença maternidade”,  correndo-se o risco de gerar uma espécie de “limbo”,  a exemplo do “limbo previdenciário”, fazendo com que a empregada fique sem receber benefício por um período, seja o Benefício Emergencial seja o salário maternidade, e com isso vir a ingressar, contra o empregador, buscando ressarcimento.

Além disso, há que se considerar que o valor do salário maternidade poderá sofrer redução, uma vez que a remuneração dos meses anteriores serve de parâmetro ao órgão previdenciário para cálculo do benefício. Assim, como o Benefício Emergencial recebido durante a suspensão do contrato de trabalho será inferior ao valor do salário contratual, isso implicará em um salário maternidade menor do que o que seria pago caso não tivesse ocorrido a suspensão do contrato de trabalho.

Diante deste cenário, entende-se que embora não haja dúvidas de que os contratos de trabalho das empregadas gestantes podem ser suspensos nos termos da Lei nº 14.020/20, esta medida deve ser evitada, dentro do possível, pois, na prática, a suspensão pode implicar em prejuízos futuros à gestante e eventuais ônus podem recair sobre a empresa, diante do princípio da proteção à maternidade e ao hipossuficiente.

 

São Paulo, dezembro de 2020.

Débora Nunes Diniz é advogada de Trigueiro Fontes Advogados em São Paulo.

 

[1] Lei nº14.020 de 06 de julho de 2020.

Art. 10. Fica reconhecida a garantia provisória no emprego ao empregado que receber o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, previsto no art. 5º desta Lei, em decorrência da redução da jornada de trabalho e do salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho de que trata esta Lei, nos seguintes termos:

I - durante o período acordado de redução da jornada de trabalho e do salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho;

II - após o restabelecimento da jornada de trabalho e do salário ou do encerramento da suspensão temporária do contrato de trabalho, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão; e

III - no caso da empregada gestante, por período equivalente ao acordado para a redução da jornada de trabalho e do salário ou para a suspensão temporária do contrato de trabalho, contado a partir do término do período da garantia estabelecida na alínea "b" do inciso II do caput do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

[2] . Constituição Federal

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

  1. b)da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

 


Em conformidade com a LGPD, utilizamos apenas cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você fica ciente e concorda com o seus termos. Trigueiro Fontes Advogados se reserva o direito de atualizar esta Política de Privacidade sem qualquer aviso prévio. Clique Aqui para Saber Mais